O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central do Brasil (BCB) reduziu a taxa básica de juros da economia brasileira para 2,25% ao ano. É a menor da história recente do País. Pela primeira vez as taxas de juros na economia brasileira convergiram para níveis similares aos de outros países emergentes.
Ao contrário de outros episódios, não apenas os juros baixos não estão gerando pressão inflacionária, como pela primeira vez a política monetária pode ser utilizada para compensar choques negativos de oferta e demanda. No passado, os choques geravam pressão inflacionária, forçando o BCB a aumentar a taxa de juros, o que intensificava os efeitos negativos dos choques sobre o nível de atividade. Sem dúvida, são mudanças estruturais importantes. O que permitiu essas mudanças?
Desde meados de 2016, um conjunto de reformas aprovadas pelo Congresso está na origem deste resultado. Entre outras, as mais importantes foram a introdução, na Constituição, de um teto para o crescimento do gasto público, que reduziu a incerteza quanto à sustentabilidade da dívida pública; a substituição da taxa de juros dos empréstimos do BNDES por uma taxa de mercado e a redução do seu volume de empréstimos, o que reduziu o subsídio aos empréstimos do banco; a reforma trabalhista, que permitiu a negociação individual entre trabalhadores e empresas e que os contratos coletivos tenham validade sobre a legislação trabalhista; e a terceirização de qualquer atividade, o que, em conjunto com a reforma trabalhista, praticamente desindexou os salários.
Com essas reformas, a trajetória da dívida pública passou a depender do crescimento da economia, o BNDES deixou de ser um agente inflacionário e o comportamento dos salários reais passou a depender basicamente de oferta e procura. Manter este conjunto de reformas é a precondição para manter as taxas de juros baixas.
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A necessidade de elevar os gastos públicos para combater os efeitos da pandemia de covid-19 forçou o governo a abandonar o teto do gasto em 2020. Para tal, aprovou-se uma emenda constitucional (o Orçamento de Guerra) permitindo que os gastos com a pandemia em 2020 ficassem fora do teto. Ou seja, em 2020 os gastos ex-pandemia têm de obedecer ao teto, mas os que se destinam a combater a covid-19, não.
É fundamental que esta exceção fique restrita ao ano de 2020. Caso contrário, a percepção de sustentabilidade da dívida pública, um fator indispensável para a manutenção dos juros baixos, simplesmente se evapora. Para que o teto volte a ser respeitado em 2021, os gastos com programas de combate aos efeitos da pandemia precisam começar a ser reduzidos no segundo semestre de 2020, quando o auge dos efeitos da doença, espera-se, tenha passado. E que sejam descontinuados já no início de 2021.
Entretanto, a pressão política pela manutenção dos programas está se intensificando. Em especial, por ser um programa bem-sucedido direcionado para os trabalhadores mais vulneráveis e que abarca mais de 50 milhões de pessoas, a pressão pela manutenção do programa emergencial de transferência de R$ 600 para os trabalhadores informais e por conta própria é particularmente intensa.
Como é um programa caro (R$ 50 bilhões/mês), sua prorrogação no mesmo valor tornaria difícil retomar a trajetória de equilíbrio fiscal em 2021. Este será um divisor de águas nesta negociação. É extremamente importante que o governo consiga prorrogar o programa com o valor do benefício menor e, simultaneamente, redesenhar e unificar os vários programas de transferência de renda hoje existentes no País, tornando-os mais eficientes. Será um sinal claro de que o objetivo de cumprir o teto do gasto em 2021 poderá ser alcançado. Afinal, chegamos. Atingimos o objetivo. Temos taxas de juros civilizadas. Para mantê-las civilizadas é indispensável que voltemos a respeitar o teto do gasto a partir de 2021. Mãos à obra!
Fonte: “O Estado de São Paulo”, 21/6/2020