O Brasil fechou 2019 com a menor taxa de juros básica (Selic) da história, 4,5% ao ano. Esse resultado foi obtido sem congelamento de preços, sem interferência do governo e sem controles administrativos da taxa de juros, ou seja, sem mágicas heterodoxas. Como chegamos lá? Este é um resultado sustentável ou é um efeito colateral do elevado nível de desemprego e ociosidade da economia?
A queda da taxa básica de juros decorre de um conjunto de reformas que tiveram início em 2016, com a aprovação do teto para o crescimento do gasto público, e prosseguiram nos anos seguintes com a reforma trabalhista, a liberalização da terceirização, a substituição da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) pela Taxa de Longo Prazo (TLP), a reforma da Previdência, a lei da liberdade econômica, entre outras.
A criação do teto de gastos tornou a relação dívida/Produto Interno Bruto (PIB) dependente apenas da taxa de crescimento do PIB. Se o PIB crescer, ainda que timidamente, as receitas tributárias aumentam e, como as despesas estão constantes em termos reais por causa do teto, reduz e eventualmente zera o déficit primário. A partir daí, o aumento de receita só pode ser usado para diminuir a dívida ou a carga tributária.
Ao aprovar o teto, o governo sinalizou aos investidores que o objetivo inequívoco é estancar a trajetória de crescimento da relação dívida/PIB e diminuir a probabilidade de insolvência, o que gerou um enorme ganho de credibilidade. Os investidores não esperaram a materialização da queda da relação dívida/PIB. Anteciparam-se e aumentaram a demanda pelos títulos públicos brasileiros, o que gerou aumento dos preços e queda das taxas de juros. O Banco Central (BC) acompanhou o movimento e reduziu a Selic.
Por que os juros baixos não estão produzindo pressão sobre a taxa de inflação, como ocorria no passado? O fator conjuntural é a ociosidade da economia. Mas existem fatores estruturais importantes. A reforma trabalhista e a liberalização da terceirização diminuíram os custos com a Justiça do Trabalho e possibilitaram a existência de diferentes tipos de contratos de trabalho (home office, trabalho intermitente, trabalho por aplicativo, entre outros), o que permitiu às empresas racionalizarem a utilização da mão de obra. Por outro lado, reduziram a indexação dos salários à inflação passada, tornando-os mais sensíveis a variações no nível de atividade e, portanto, à taxa de juros real. E o aumento da concorrência diminuiu o poder de repasse dos aumentos de custos aos preços dos bens e serviços pelas empresas.
Manter os juros em níveis baixos exige que o teto seja sustentável. A reforma da Previdência foi o primeiro passo para atingir esse objetivo. Mas ainda temos dever de casa para fazer. Os gastos obrigatórios do governo crescem a uma taxa vegetativa próxima a 3% reais ao ano. Isso significa que, se nada for feito, eventualmente os gastos obrigatórios vão abarcar todos os gastos. Não vão sobrar recursos para as despesas discricionárias, como investimentos, gastos sociais, etc. Insustentável!
É fundamental aprovar reformas que reduzam os gastos obrigatórios. As três Propostas de Emenda Constitucional (PECs) enviadas pelo governo ao Congresso Nacional no final do ano passado (a PEC Emergencial, a PEC dos Fundos Públicos e a PEC do Pacto Federativo), além da PEC da Regra de Ouro, têm esse objetivo (entre outros). Criam gatilhos automáticos acionados quando os gastos obrigatórios atingem limites predefinidos.
Se aprovadas, o País terá criado uma estrutura institucional compatível com juros estruturais baixos. A taxa de juros neutra, que não gera pressão inflacionária nem deflacionária, terá caído para níveis compatíveis com os atuais níveis de juros. Nessas condições, a Selic passará a flutuar em torno da taxa neutra, dependendo de se as condições são de excesso de oferta ou de demanda. Mas taxas reais de juros de dois dígitos estarão fora do radar.
Fonte: “O Estado de São Paulo”, 3/1/2020