Prestes a iniciar a tramitação da reforma da Previdência , considerada o projeto prioritário para equilibrar as contas públicas, o governo decidiu apresentar uma segunda proposta de emenda constitucional (PEC), que deixa nas mãos do Congresso o controle total do Orçamento. A medida, chamada informalmente de PEC do pacto federativo, desvincula e desindexa as despesas do Orçamento. A proposta de mudança começaria a tramitar no Senado, como informou o ministro da Economia, Paulo Guedes, em entrevista ao “Estado de S. Paulo”. A decisão dobra as apostas na articulação política, pois significa colocar em tramitação os dois projetos mais relevantes da agenda econômica do governo simultaneamente no Congresso no primeiro semestre. A medida foi antecipada diante do pleito de governadores e prefeitos com finanças em frangalhos.
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Atualmente, a imensa maioria dos gastos públicos é engessada, em despesas obrigatórias como pagamento de benefícios previdenciários, gastos com pessoal, abono, além dos limites mínimos constitucionais para saúde e educação. Sem esses limites, ou seja, com o fim das despesas obrigatórias e as vinculações do Orçamento, o Congresso poderia negociar livremente as prioridades de gastos, observando o limite imposto pelo teto, a regra que prevê que as despesas públicas não podem subir mais do que a inflação do ano anterior.
Ao tomar posse no cargo, Guedes se referiu à desvinculação do Orçamento como um plano B à reforma da Previdência. Desde o mês passado, porém, diante da pressão de governadores e prefeitos, o governo começou a trabalhar numa proposta para desvincular despesas do Orçamento da União, de estados e municípios. Com a mudança, os entes da União em crise fiscal poderiam ter mais fôlego para honrar compromissos.
Socorro aos estados
De acordo com a legislação, qualquer proposta de emenda à Constituição cuja origem é o Executivo deve começar a tramitar no Congresso pela Câmara dos Deputados. Nos casos em que a PEC é apresentada por um senador, porém, o processo de votação pode ser iniciado no Senado. Perguntado pelo GLOBO, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, disse não ver problemas na tramitação das duas propostas simultaneamente.
— Precisamos resolver logo isso, pois há muita pressão de governadores e prefeitos, que estão enfrentando séria crise financeira — disse o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE).
Segundo o senador, o martelo deve ser batido até o início da semana que vem, quando Guedes participará de uma sessão em plenário para explicar a agenda de reformas da equipe econômica. Na ocasião, será definida uma data para que o ministro visite os gabinetes de senadores.
— Depois de iniciado o debate, o governo vai decidir qual o caminho a tomar: apresentar uma PEC ou identificar um senador para apresentar a proposta — disse Bezerra, que é cotado para propor o pacto federativo no Senado.
O governo pretende encaminhar o texto o mais rápido possível. Em paralelo, trabalha nos termos de um programa de socorro aos estados para alívio no curto prazo. Os governadores têm recorrido à União em busca de recursos, mas apesar da deterioração das finanças, não se enquadram nas regras do regime de recuperação fiscal, ao qual o Rio aderiu. A saída encontrada agora é oferecer financiamento com garantia da União em troca de medidas de ajuste fiscal. Nestes casos, a lógica do socorro muda: primeiro o estado precisa aprovar em assembleias medidas de correção para equilibrar as contas. Com base nos ganhos estimados para estas ações, o governo calcula quanto o ente poderá receber em empréstimos.
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Analistas consideram que a estratégia de ataque duplo, com a tramitação simultânea de duas PECs, ajudará na aprovação da reforma da Previdência num momento em que o governo tem dificuldades em formar uma base que garanta maioria no Congresso para votação de projetos prioritários. Ao mesmo tempo, a proposta inclui riscos, pois emendas à Constituição requerem um mínimo de 308 votos para aprovação.
— O governo não tem outra saída. Como não tem maioria sólida estável no Congresso, tem de ser superativo e dominar a agenda legislativa. É uma estratégia lotar o Congresso com uma série de eventos — diz Carlos Pereira, cientista político da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Segundo o cientista político Lucas Aragão, da Arko Advice, como a medida agrada a estados e municípios, poderá criar um ambiente de boa vontade política:
— Tem uma demanda imensa dos parlamentares, que não têm controle algum sobre o Orçamento. Eles conseguem mixaria em cima das emendas. E essa é uma agenda positiva que pode criar um clima de boa vontade para a votação da Previdência.
Negociação no BPC
Somente nos últimos quatro anos, segundo dados do Banco Central referentes ao fim de 2018, a dívida dos estados e dos principais municípios do país cresceu 28% e chegou a R$ 826,9 bilhões, maior valor da História.
Segundo a líder do governo na Câmara, Joice Hasselmann (PSL-PE), a estratégia de propor a nova PEC tem a anuência não só do Executivo, mas das presidências das duas casas.
— A apresentação da PEC [do pacto federativo] foi discutida com os presidentes do Senado e da Câmara. Falamos sobre a possibilidade de o texto ser apresentado por algum senador. São duas pautas importantes, que envolvem a economia do país como um todo. É como se fizéssemos dois gols — afirmou a líder governista.
Outro senador da base, Major Olímpio (PSL-SP), disse estar seguro de que, ao contrário da reforma da Previdência, que envolve pontos polêmicos, não há haverá dificuldade para a aprovação da desvinculação das despesas do Orçamento. Isso porque a matéria interessa a governadores e prefeitos.
A oposição, contudo, indica que haverá obstáculos. O líder da oposição na Câmara, Alessandro Molon (PSB-RJ), afirmou que a estratégia do governo pode atrasar a votação da reforma da Previdência por não haver tempo hábil para a discussão dos dois temas com a sociedade:
— Não é uma medida simples e muito menos que facilite o debate sobre a Previdência. Se o governo imagina que a PEC funcionará como um toma lá, dá cá, trocando votos para a reforma da Previdência por liberação de recursos orçamentários de estados e municípios, não vai dar certo.
Na entrevista ao “Estado de S. Paulo”, o ministro da Economia reiterou que não abre mão da economia de R$ 1 trilhão com a reforma da Previdência. Mas disse que é possível negociar o valor do BPC, benefício pago a idosos pobres. A proposta prevê que o governo antecipe o pagamento do benefício dos 65 anos para 60 anos, mas com valor de R$ 400. O idoso só passaria a receber o salário mínimo aos 70 anos. Guedes disse que o valor poderia subir para R$ 500 ou R$ 600.
Fonte: “O Globo”