O governo Dilma Rousseff do segundo mandato perdeu a atitude crítica que tinha diante dos efeitos deletérios do juro alto na economia brasileira. Dilma parece resignada com o fato de que o Banco Central (BC) vai continuar se reunindo no Comitê de Política Monetária para subir a taxa de juros até que a curva inflacionária dê sinais efetivos de reversão.
A antiga disposição da presidente de debater as sequelas deixadas por quase duas décadas de uma política de juros sem paralelo – afinal, o Brasil é o maior campeão mundial de juros altos de todos os tempos! – esvaneceu-se ante o ditame do mercado, que aqui associa diretamente o movimento altista da Selic, comandada pelo BC, a uma suposta recuperação do controle da inflação. Nada mais longe da verdade.
O ano de 2015 mostrará que, além de extremamente custosa para o equilíbrio orçamentário, a recorrente elevação do juro básico só consegue alcançar, na economia brasileira, um coeficiente muito pobre de resposta como instrumento de combate à inflação. Em outras palavras, combater inflação como fazemos no Brasil custa caríssimo para o bolso do contribuinte e obtém resultados pífios no cotejo com os sacrifícios impostos ao setor produtivo nacional.
O ano de 2015 mostrará, mais uma vez, as consequências de uma política econômica deletéria e desastrosa na qual, desgraçadamente, governos sucessivos têm insistido: esperar que apenas o juro alto dê conta de trazer a inflação oficial para o centro da meta projetada de 4,5% ao ano. O BC, ao elevar ainda mais o juro real, já o mais alto do planeta, em completo desalinho com as taxas médias reais próximas ou abaixo de zero praticadas lá fora, cria sequelas terríveis que, na prática, anulam o esforço inicial de contenção de demanda previsto pelos economistas oficiais. Não é por outro motivo que aqui se costuma calcular o chamado “juro neutro” – aquele que, em tese, equilibraria a demanda geral da economia com a oferta efetiva de bens e serviços – num nível real de 4% a 5%. São cálculos etéreos, sem nenhum fundamento científico, mas que dão uma ideia, isso sim, do grau de loucura a que chegaram os profissionais da economia no Brasil, insensíveis às graves consequências de aplicarem nas condições locais o remédio que aprendem nos livros escritos para descrever processos inflacionários distintos em economias consideradas “normais”.
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A economia brasileira não é “normal”. Aqui mantemos um elevado grau de atrelamento automático anual de preços, salários e contratos à inflação passada, que nem de longe se enxerga no dia a dia de outros países avançados ou emergentes. A indexação à inflação é uma praga violenta que o Brasil nunca extirpou por completo. Convivemos com reajustes anuais considerados “pétreos”, dos quais ninguém abre mão. Só isso já é suficiente para impor uma rigidez tremenda aos preços na economia, sobretudo se o próprio governo é o primeiro a praticar tais reajustes automáticos, inclusive sobre impostos (embora, ladinamente, deixando de ajustar a tabela de Imposto de Renda). Portanto, esperar que juros altos derrubem uma inflação rígida é esperar que fogo brando consiga amolecer uma barra de aço.
Não obstante a indexação resistente, o pior inimigo da política do juro alto no Brasil é ela mesma. Em que sentido? Os juros altos têm sócios relevantes em terras de Cabral. Rentistas preferem juro alto. Bancos engordam lucros com juro alto. Carteiras de aplicação financeira obtêm ganhos quando os juros sobem, por terem papéis (as LFTs) atrelados ao seu rendimento diário, uma excrescência da dívida pública megainflacionária que sobrevive até os dias de hoje. Fazem bem os rentistas e bancos em buscar o maior juro e o melhor spread. Errado é o governo, que, anos a fio, se conforma em aceitar juros de mau pagador. Distintamente de países de vida financeira normal, aqui a elevação de juros é comemorada por relevantes segmentos da economia, atrelados a vantagens na rolagem da enorme dívida do governo, que consome a bagatela de R$ 260 bilhões ao ano em custo de financiamento. Até o governo, pasmem, “lucra” com os encargos que faz o contribuinte pagar, pois cobra Imposto de Renda aos rentistas!
Vivemos um festival de distorções na política financeira tupiniquim que liquida as chances de um movimento altista de juros vir a atuar de modo eficaz como freio efetivo à demanda agregada. De fato, os rentistas, que comandam expressiva fatia da renda nacional, gastarão mais, nunca menos. Assim como gastarão mais todos os imensos segmentos de pessoas que recebem cheques do governo – são 60 milhões (!) de contracheques emitidos pelo governo federal por mês -, que não ficarão mais curtos só porque o juro subiu, afetando a economia produtiva privada. Esta, sim – a indústria, o comércio, o agronegócio -, pagará caro pela alta dos juros, refletida no seu custo de empréstimos. A oferta geral, isto é, a produção da economia, será freada. Muito mais do que a demanda, pois parte relevante desta, como sabemos, é insensível ao recado dos juros em alta.
Por fim, a elevação da Selic, ao agigantar os encargos financeiros mais pesados do mundo (o Brasil também é campeão mundial em encargos do governo, com seus 5,3% do PIB ao ano em custos de juros), torna quase impossível a tarefa de produzir o “superávit fiscal primário” que, justamente, é formado para cobrir tais encargos. Quem arcará com essa conta dantesca? O pagador de impostos, claro, ou seja, você, cuja disponibilidade para produzir ou gastar será reduzida pelos impostos extras criados para cobrir o buraco dos juros públicos de um governo perdulário. Óbvio que a política econômica assim desenhada não tem a mínima chance de funcionar bem, tanto menos de trazer a curva inflacionária para um patamar decente, a um custo social e tributário razoável.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 27/1/2015
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