A corajosa decisão do governo de substituir a TJLP por NTN-B nas futuras operações de crédito do BNDES tem pelo menos três consequências positivas. A primeira — e principal — é contribuir para a queda das taxas de juros em geral no Brasil. A segunda é reduzir subsídios injustificáveis em favor de empresas que poderiam financiar-se com seus próprios recursos ou tomando empréstimos no mercado (o país gasta com subsídios do BNDES mais do que com o Bolsa Família!). A terceira é impulsionar o crédito via mercado de capitais, diminuindo a importância dos bancos na oferta de empréstimos ao setor privado.
O princípio da nova regra das operações do BNDES foi adotado nos Estados Unidos nos anos 1980, quando o governo Reagan decidiu que o Tesouro não poderia emprestar a custos inferiores aos de captação de um determinado título público federal, tomado como referência para a taxa básica de juros do mercado. A inflação elevada e a taxa Selic muito alta foram inibidores da adoção de regra semelhante no Brasil. A hora chegou.
A decisão permitirá que, nos próximos anos, o Brasil deixe de ser o país com uma das maiores taxas de juros do mundo, se não a maior. Isso porque as operações do BNDES passarão a ser influenciadas pelas decisões de política monetária do Banco Central (BC). No regime de metas de inflação como o adotado no Brasil, a taxa básica de juros do banco central — no nosso caso a Selic — é o instrumento fundamental para cumprir a meta. Isso porque essa taxa se transmite ao mercado, influencia as taxas de juros nas operações de empréstimo e assim impacta a demanda de consumo e investimento. Para tanto, os canais de transmissão da medida devem estar ao máximo livres de obstruções.
No Brasil, todavia, há forte obstrução desses canais. Metade do crédito não é impactada pela taxa Selic. Qualquer que seja ela, as taxas de juros do BNDES — e também do crédito rural e do crédito habitacional — não se alteram. A potência da política monetária se reduz. A taxa Selic poderia ser a metade se não existisse o crédito direcionado como o do BNDES. Assim, ao longo do tempo, haverá quedas incrementais dos subsídios e da taxa de juros.
Quanto ao mercado de capitais, que já é robusto, a medida vai contribuir para que empresas recorram cada vez mais a títulos de sua emissão para se financiar, particularmente nos investimentos. Há demanda no Brasil para aplicar recursos em papéis de longo prazo colocados no mercado por bancos e empresas privadas, inclusive nas operações de crédito rural. Com o tempo, vai desaparecer a ideia de que crédito de longo prazo só existe no BNDES. Em seguida, vai-se perceber que crédito não é tarefa apenas dos bancos comerciais. Nos Estados Unidos, eles respondem por menos de 20% da oferta de crédito. O restante se processa no mercado de capitais, que envolve ações e títulos de dívida.
Em resumo, a adoção da nova regra é uma medida simples, que transcende os limites de um preço básico da economia, a taxa de juros. Muitos empresários e suas associações vão gritar, mas tendem a perder a parada. A decisão do governo é histórica.
Fonte: “Veja”, 31 de março de 2017.
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