Em maio passado, o Banco Central (BC) surpreendeu ao elevar a taxa básica de juros (a Selic) em meio ponto porcentual, para 8%. Esperava-se que fosse mantido o ritmo anterior, de 0,25 ponto porcentual. O presidente do BC já emitira sinais de maior rigor para lidar com a alta da inflação, mas não foi levado muito a sério. Culpa da baixa credibilidade da instituição.
A maioria dos especialistas considerou a medida correta, e várias foram as interpretações do fato. Para uns, o BC teria recuperado a autonomia; para outros, teria havido uma reação de sua burocracia ao mandonismo do governo. Ou, ainda, a presidente Dilma teria concordado com o aumento por temer os efeitos eleitorais da aceleração inflacionária.
Tenho argumentos para aliar-me à última interpretação. Falou mais alto a próxima eleição presidencial. O papel do BC, meritório, foi mostrar o risco de piora da inflação e de seus efeitos na renda das famílias e no consumo. O correspondente desgaste da popularidade ameaçaria o projeto de reeleição. A inflação teve a ver com o medíocre resultado do PIB do primeiro trimestre, pois afetou o consumo e mais tarde pode aumentar o desemprego. Viriam novas ameaças à reeleição.
Era hora, pois, de agir. Dilma, que antes se vangloriava de ter baixado os juros, calou-se e autorizou o BC a acelerar a alta da Selic. Provavelmente já sabia que sua popularidade estava em queda, o que depois o Datafolha e o Ibope confirmariam. Isso não quer dizer, porém, que a presidente tenha renunciado à tese da esquerda nos anos 1970 e 1980 segundo a qual é possível vencer a inflação sem custos. Ela chegou a afirmar que o remédio seria aumentar o consumo.
Temos, então, duas boas notícias. Primeira, o país dispõe, caso necessário, de um instrumento eficaz – a taxa de juros – para evitar o descontrole inflacionário. O ideal seria conjugá-lo com cortes no gasto público, mas isso é outra história. Segunda, nossas instituições já permitem detectar e corrigir erros do governo. Utilizo aqui a definição de Douglass North, para quem as instituições são as regras do jogo, formais ou informais. Elas alinham incentivos para a ação do setor privado – assumir riscos, investir e inovar – e impõem restrições à continuidade da má gestão pública.
Nas democracias, as instituições incluem os três poderes, os partidos políticos, as normas, as organizações, as crenças dos cidadãos e, destacadamente, a imprensa livre e independente. Como se diz na ciência política, as instituições podem funcionar como um “alarme de incêndio”. Evidenciam riscos para a sociedade – caso da inflação- e induzem a adoção de medidas pertinentes. Se os governantes não reagirem, o voto os punirá.
A inflação voltou a incomodar. Tem destaque nos jornais, nas revistas, na TV, no rádio. O consumidor a sente no bolso. Analistas e a imprensa criticam o uso de artifícios para influenciar os índices de preços, mostrando que as pressões inflacionárias decorrem do excesso de demanda sobre a oferta de bens e serviços. Houve um choque de preços de alimentos, mas a causa maior do problema foram o afrouxamento monetário e a expansão fiscal.
Os oposicionistas viram na inflação a oportunidade de fustigar o governo e rapidamente acharam um mote para a eleição de 2014. O provável candidato do PSDB, Aécio Neves, usou um lema do governo (“País rico é país sem pobreza”) para criar outro que enfatiza a inconveniência da alta dos preços (“País rico é país sem inflação”). Outro partido de oposição, o DEM, seguiu o mesmo caminho. Dilma percebeu os riscos e, pragmaticamente, curvou-se ao diagnóstico do BC.
O BC recuperou, ao menos em parte, sua credibilidade e adquiriu força para prosseguir a alta da Selic, mas sua autonomia dificilmente terá sido restabelecida. Se a ameaça ao projeto de reeleição sumir, por certo Dilma voltará à carga. Ela parece entender que tem a prerrogativa de decidir sobre a Selic, ainda que a experiência mundial prove que essa deve ser uma tarefa exclusiva do Banco Central.
As instituições não forjam bons governos nem impedem erros de gestão, mas podem inibir a continuidade de certas práticas e seus maus efeitos. Apesar de tudo, há o que comemorar.
Fonte: revista “Veja”
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