Com ingredientes explosivos – envolvimento do vice-prefeito, da mulher do prefeito, possível envolvimento do prefeito, de vários secretários municipais, de empresários e até de um amigo do ex-presidente Lula (José Carlos Bumlai) – o caso de corrupção na prefeitura de Campinas (SP) começou a ser levantado pela imprensa local no início do ano. Por que será que só agora, recentemente, a grande mídia brasileira resolveu entrar nele? Tenho minha teoria: a grande mídia ficou à espera de que alguém – ou alguma instituição – lhe fornecesse o que eu chamo de “Kit imprensa”, ou seja, aquela espécie de dossiê que traz documentos, imagens de flagrantes, de gravações, de grampos telefônicos e explicações “lógicas” sobre o desenrolar dos fatos. Algo que poderia ser chamado também de “prato pronto”.
Em palavras mais simples, a grande mídia, para entrar no caso, ficou à espera que o Ministério Público lhe abastecesse de informações. Estejamos preparados, portanto: a grande imprensa entrou no caso via Kit imprensa e vai sair dele, como de hábito, tão ligeiramente quanto entrou. Basta que o Ministério Público esgote seu estoque de informações e o caso entre na penumbra do sigilo judicial. Apurar, perseguir aquela informação relevante, identificar a informação por sua relevância e hierarquia ? Nada disso. Cada vez mais a grande mídia – e também a pequena, a depender do assunto – só publica aquilo que lhe é entregue de mão beijada.
O caso Watergate, de espionagem republicana na sede democrata em Washington, e que culminou com a renúncia do presidente Richard Nixon, é exemplar para percebermos o quanto a imprensa no Brasil desviou-se do bom caminho. Nixon caiu em 1976 graças ao empenho de dois repórteres do Washington Post – Bob Woodward e Carl Bersteim – na investigação do caso que eclodiu em agosto de 1974. Foram, portanto, dois anos de apuração, investigação com meta definida: estabelecer as ligações entre o presidente e o esquema de espionagem. A determinação de um único jornal foi capaz de alterar a história dos EUA. No Brasil, há muitos anos não se vê algo de longe parecido com isso.
Campinas, inclusive, não pode ser vista como aquela pequena cidade do interior, onde os fatos políticos conseguem, se muito, repercussão regional. A segunda maior cidade do estado mais rico da Federação tem mais de um milhão de habitantes e é o principal pólo urbano da região que ocupa o segundo lugar no Brasil em produção industrial. Se os eventos da política de Campinas não comovem a grande mídia, o que é que pode, enfim, comovê-la?
O mais trágico nesse comportamento da grande mídia brasileira é que as instituições – e os marqueteiros da política – já aprenderam que o seu jeito de lidar com os fatos e eventos da política é esse mesmo, superficial e negligente: não apura mais, não investiga mais, caiu no que pode ser chamado de “denuncismo”, a denúncia pela denúncia, operado sempre na base do Kit imprensa. Jornais e revistas trazem denúncias de corrupção quase todos os dias e semanas. A mídia, contudo, tem sido incapaz de se fixar em determinados casos por sua relevância. Entra e sai de quase todos eles sem produzir uma informação que preste e que traga alguma consequência prática em benefício da sociedade.
Ficou muito fácil para instituições como a Polícia Federal e o Ministério Público – e aos marqueteiros – levar a mídia para onde querem. Mais do que pautá-la, essas instituições já sabem que podem contar com ela muitas vezes com o intuito de passar à sociedade a impressão de que a corrupção é combatida enquanto, na verdade, por força de investigações mal realizadas, de denúncias mal construídas, muitas dessas operações midiáticas só contribuem para engrossar o caldo da impunidade.
Afinal, o que seria mais difícil para a imprensa – comprovar as ligações de Nixon com o esquema de espionagem do edifício Watergate ou, por exemplo, descobrir quais os clientes da consultoria de Antônio Palocci que lhe deram o dinheiro para comprar os dois imóveis em São Paulo por valor acima de R$ 7 milhões ? Com certeza, se investigasse, a mídia descobriria as origens da fortuna de Palocci em poucas semanas. Ela, no entanto, não se mostra com disposição para tal e prefere ficar na patética posição de dizer que Palocci teria o “dever moral” de informar quais eram os clientes de sua empresa. Só falta sugerir que o Ministro seja conduzido a Guantánamo para ali, a respirar os ares do Caribe, talvez sob efeito de alguma “droga da verdade”, possa fazer ampla confissão.
Há casos ainda mais graves dessa preferência pelo denuncismo: leitores de jornais e revistas de grande circulação devem estar à espera até hoje de alguma consequência do Caso Tamiflu. Vão morrer de esperar. Por mais relevante que tenha sido a denúncia – o pagamento de comissão, em 2010, ano eleitoral, a funcionários do Ministério da Casa Civil da Presidência da República pela compra de um grande lote do remédio, a pretexto de servir para prevenir ou curar a gripe suína – a mídia entrou nela como um tornado e saiu como uma lebre. Talvez seja preferível achar que era tudo mentira, invenção de uma revista que deve ter agido por motivação eleitoral ou eleitoreira. Pode ser injusto, mas é o que deve pensar o simples consumidor de informações.
O lamentável nisso é que a imprensa pode muito mais do que acha que pode. Sabemos lá o que deve ser feito para removê-la dessa já antiga letargia.
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