A cada divulgação de novos dados se torna mais claro que a maior recessão da história brasileira recente ficou para trás. Isto não significa que está tudo bem, mesmo porque persistem desafios consideráveis, que o mundo político tem varrido para debaixo do tapete com a mesma sem-cerimônia que caracteriza o toma lá dá cá do jogo no Congresso.
Apesar da recuperação visível a partir do fim de 2016, indicadores como a produção industrial e as vendas no varejo ainda se encontram cerca de 15% abaixo dos níveis de 2013, enquanto o desemprego (embora em queda) é quase o dobro do registrado em 2014. Há, portanto, uma longa ladeira para subir de modo a recobrar o que foi perdido ao longo dos últimos anos, mas as chances de alguma recuperação são boas.
Em particular, restrições que no passado limitaram o crescimento são hoje bem menos relevantes — nem sempre por bons motivos.
Assim, a elevada taxa de desemprego sugere que a inflação não deve subir demais (ao menos não pelos canais convencionais) por um longo período. Em que pese não sabermos exatamente qual o nível de desemprego compatível com a manutenção da inflação ao redor da meta, parece haver espaço apreciável para aumentar a ocupação sem receio de aceleração indevida da inflação.
Há também enorme capacidade ociosa, sugerindo que, nos estágios iniciais da recuperação, não haverá necessidade de investimentos pesados, à exceção notável do setor de infraestrutura, o que reforça a conveniência de avançarmos nas concessões e privatizações.
Além disso, a convergência da expectativa de inflação para a meta — e não me refiro apenas à pesquisa Focus — permite não só que a taxa de juros siga em queda, mas que, crucialmente, seja mantida em patamar bastante inferior à sua média histórica por muito tempo. Como notado na comunicação do BC, a política monetária pode ser calibrada, sem risco inflacionário, para estimular a demanda interna, situação rara no país, e provavelmente inédita no que se refere à sua duração esperada.
Já o balanço de pagamentos segue em boa forma, caminhando para deficit modesto das contas externas, na casa de US$ 12 bilhões, uma ordem de magnitude inferior aos US$ 104 bilhões de 2014, valor financiado com sobras pelo investimento estrangeiro direto e equivalente a uma fração das reservas internacionais, próximas a US$ 380 bilhões. Se é verdade que a melhora do balanço externo começou com a forte queda das importações, cortesia da recessão, já há algum tempo são as exportações que tocam o show, na esteira do crescimento global.
O conjunto da obra aponta, pois, para condições ideais para a recuperação cíclica da economia (já o crescimento potencial segue problemático, por razões que não explorarei neste espaço). Resta saber o que pode ameaçá-la.
Deve ficar claro que muito do progresso obtido nessa frente resulta da mudança de rumo da política econômica, embora ainda haja muito a corrigir, em especial no que se refere às contas públicas.
O risco, assim, é o abandono desse projeto, a depender dos resultados das eleições no ano que vem. Caso a eleição aponte para o retorno da heterodoxia, que nos jogou na crise agora superada, não me resta dúvida de que a frágil evolução pode ser mais uma vez perdida.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 11/10/2017.
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