O novo protagonismo do MPF e do Judiciário não decorre do ethos de seus membros, embora leve a sua marca. A Lava Jato não se reduz a decisões individuais ou corporativas —e expressão de jacobinismos. Argumentar o contrário é esquecer a matriz mais ampla em que a operação se inscreve.
A análise deveria ter como ponto de partida a vasta delegação de poderes que teve lugar durante o processo constituinte. Essa delegação é produto de um dos poucos consensos fortes forjados durante a transição democrática visando combater a secular impunidade em nosso país.
“Poucos textos constitucionais terão confiado tanto no Poder Judiciário e nele, de modo singular, no STF”, afirmou com razão Sepúlveda Pertence, ex-presidente da Corte e então procurador-geral da República, quando da promulgação da Carta de 1988.
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Métricas variadas confirmam a extensão do poder conferido ao STF e ao MPF, neste último caso a ponto de convertê-lo, por sua singularidade, em uma jabuticaba. O exercício efetivo dos novos poderes delegados não ocorre imediatamente: pressupõe inclusive robustez organizacional que só se consolida efetivamente nos anos 2000, quando a mudança institucional se completa.
Com o escândalo do mensalão (2005), cujo julgamento ocorreu de setembro a dezembro de 2012, pudemos observar o novo padrão de atuação institucional. Ele teve como efeito direto a condenação de membros das elites parlamentar e financeira do país (cujo ineditismo criou incentivos à delação premiada no petrolão), sinalizando independência e autonomia dos órgãos de controle latu senso. E, como efeito indireto, as manifestações de 2013 e consequentes inovações legislativas (Lei das Organizações Criminosas), que fortaleceram ainda mais as instituições de controle.
Na sequência tivemos o petrolão. Na sua raiz, dois choques —crise financeira global de 2008 e boom de commodities entre 2003 e 2011 (exacerbado entre nós pela descoberta do pré-sal)— que produziram mais que euforia, desvario fiscal. A janela de oportunidades para a corrupção em escala incomum veio na forma de vastíssimo programa de obras públicas da Copa do Mundo (2014) e da Olimpíada (2016). Daí a Petrobras e o Rio de Janeiro terem se tornado palco privilegiado de operações corruptas.
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É nesse cenário —instituições fortalecidas e ancoradas no aprendizado de uma sucessão de derrotas— que a Lava Jato teve lugar. O gigantismo da corrupção manifestou-se no elenco ciclópico de investigados, indiciados e condenados, sobrecarregando o MPF e a agenda do STF como foro criminal.
O rol de investigados não reflete a intensidade do jacobinismo, mas a escala do fenômeno. O jacobinismo é epifenômeno.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 24/06/2019