Moscou, anos 1980. O líder soviético assistia à parada militar com um convidado: soldados em formação perfeita, tanques, mísseis balísticos, tinha de tudo. Ao final, o convidado, visivelmente impressionado, pergunta ao anfitrião: “Quem são aqueles dois civis ao final do desfile? “. Ah”, responde o líder, “são dois economistas. Nada se compara ao poder destrutivo dos economistas”.
A piada é antiga, mas retrata bem a crise por que passa o Brasil. Depois de anos de progresso na economia, bastaram três anos de políticas heterodoxas para jogar o país na maior recessão de sua história documentada. Milhares de empresas quebradas, milhões de trabalhadores desempregados, centenas de bilhões de reais em produção perdida.
Foram dois erros principais. De um lado, adotar a Nova Matriz Econômica, que preconiza ser possível melhorar o desempenho da economia estimulando a demanda doméstica via juros baixos, aumento do gasto público e expansão do crédito. Como se sabe, isso não funcionou, mas deixou como herança uma situação fiscal muito deteriorada, significativas pressões inflacionárias e preços relativos fora do lugar. De outro, adotar uma política industrial que distorceu a alocação de recursos na economia, com impactos negativos sobre a produtividade do capital e teve um elevado custo fiscal.
Conforme ficaram claras as consequências dessa “brincadeira”, na expressão do ex-ministro Joaquim Levy, a confiança de empresários e consumidores despencou para níveis sem precedentes na série histórica. O quadro complicou-se ainda mais quando se viu que o governo não pretendia alterar a política econômica na direção e com a intensidade que a crise exigia, como ilustra a decisão de pedir ao Congresso permissão para ampliar ainda mais seus gastos e com isso registrar outro déficit primário gigante em 2016.
A partir daí o país mergulhou em um círculo vicioso. A queda da confiança derrubou os investimentos e o consumo privado, reduzindo o emprego e elevando a informalidade. Isso diminuiu as receitas tributárias, aumentando o déficit público, apesar da redução do investimento do governo. A queda do PIB e a alta do déficit colocaram a dívida pública em uma trajetória que, se mantida, vai levar ao calote ou à volta da hiperinflação. A confiança caiu ainda mais, reiniciando o processo.
O governo justifica seu comportamento atribuindo a crise a fatores fora de seu controle. Durante muito tempo, a culpa era da crise internacional. Depois, do Congresso, como se este não tivesse aprovado a maioria das medidas propostas pelo Executivo, inclusive várias que aumentaram impostos. Mais recentemente, culpa-se a Operação Lava-Jato. Em julho de 2015, a presidente já afirmava que a Lava-Jato tinha causado “uma queda de um ponto percentual no PIB brasileiro”.
Não é só o governo que tem essa visão: várias consultorias atribuem à Lava-Jato custos ainda mais elevados em termos de queda do PIB. Segundo relatos na imprensa, a Tendências Consultoria avalia que a Lava-Jato tirou dois pontos percentuais (pp) da queda de 3,8% do PIB em 2015 (mais da metade, portanto) e deve subtrair mais 1,2 pp do PIB deste ano. A LCA estima um impacto igual em 2015, enquanto para a GO Associados a operação vai subtrair 3,6 pp do crescimento do PIB em 2015-19, sendo pelo menos metade disso em 2015-16.
Será que então a culpa da crise não é da política econômica, mas do combate à corrupção? Não, claro que não. Pense só: se amanhã a Lava-Jato fosse suspensa, será que o PIB ia ter um desempenho bem melhor do que o previsto? Será que os problemas da Petrobras ou da economia iam desaparecer? Certamente que não.
As consultorias chegam a essas conclusões por, erradamente na minha visão, atribuir à Lava-Jato a culpa pela retração dos investimentos da Petrobras, cujo impacto sobre o PIB é depois potencializado por meio de multiplicadores diversos.
Ora, a Petrobras cortou investimentos porque precisa poupar caixa, em função do alto endividamento e dos grandes prejuízos que está tendo. Mas isso não é culpa da Lava-Jato, mas de má gestão, corrupção, grandes perdas com a venda de combustíveis abaixo do custo, e da queda do preço do petróleo. Todos fatores que antecedem e/ou independem da Lava-Jato.
O custo dos malfeitos na Petrobras foi alto: segundo a empresa, a perda com corrupção e má gestão entre 2004 e 2012 somou R$ 88,6 bilhões (1,6% do PIB). A esse valor é preciso somar as perdas de 2013-14. O congelamento de preços de combustíveis custou outros R$ 60 bilhões (1,1% do PIB). Somando esses custos e usando o multiplicador estimado pela Tendências, conclui-se que corrupção, má gestão e congelamento reduziram o PIB brasileiro em 5,6 pontos percentuais, o equivalente a 12 anos de Bolsa Família.
A Lava-Jato interrompeu a corrupção e a má gestão, evitando que a Petrobras perdesse ainda mais. Não tivesse a Lava-Jato ocorrido, provavelmente hoje a Petrobras estaria quebrada. É assustador pensar a destruição que isso teria causado na economia brasileira.
Fonte: “Valor econômico”, 1º de abril de 2016.
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