Na primeira eleição geral sob vigência da Lei da Ficha Limpa, dados da Justiça Eleitoral e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostram que candidatos barrados com base na nova norma — os chamados fichas-sujas — continuam disputando livremente um mandato. Levantamento feito pela Procuradoria Geral Eleitoral, e obtido pelo GLOBO, revela que os Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) barraram 240 fichas-sujas. As procuradorias regionais eleitorais em todo o Brasil tinham pedido a impugnação de 501 políticos com base na Lei da Ficha Limpa. Destes, 50 renunciaram à candidatura, após serem impugnados pelo Ministério Público Eleitoral.
Em 15 estados, O GLOBO conseguiu comprovar que a maior parte dos barrados — pelo menos 90% — continua em campanha, o que é permitido até que haja decisão final. Um dos casos é o do ex-governador do Distrito Federal José Roberto Arruda (PR), que teve o registro para concorrer novamente ao governo negado pelo TRE-DF e pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ainda assim, segue pedindo votos. Nesta terça-feira, o TSE julga um segundo recurso apresentado por Arruda.
Lista com 14 mil condenados
Em outra base de dados à qual O GLOBO teve acesso com exclusividade, políticos que constam como inelegíveis no cadastro do CNJ tiveram o registro deferido pela Justiça Eleitoral. Eles foram condenados pela Justiça em decisão transitada em julgado ou em segunda instância, casos previstos na Lei da Ficha Limpa, mas foram liberados para serem candidatos. Há casos de postulantes a uma vaga de deputado estadual e federal em Minas Gerais, Paraná e Rondônia.
O cadastro do CNJ, alimentado pelos tribunais, tem aproximadamente 14 mil nomes de pessoas, não necessariamente políticos, condenadas por improbidade administrativa ou enquadradas em alguma situação que gera inelegibilidade. Como nem todos os condenados por improbidade administrativa perdem direitos políticos, não significa que o nome que consta no banco de dados é de uma pessoa impedida de ser eleita. Cruzamento entre os bancos de dados do Conselho e do TSE feito a pedido do GLOBO constatou que, entre os nomes, 54 são candidatos, dos quais 17 são considerados pelo CNJ como inelegíveis.
Para o eleitor, votar num candidato desses é um risco: os barrados pelos TREs que estiverem com recursos no TSE no momento da eleição aparecem com votação zerada na apuração. A Justiça Eleitoral divulgará a relação dos votos de cada um em separado. Se o TSE liberar o registro, os votos são contabilizados. Caso contrário, são anulados. Ou seja, o eleitor pode votar num político e seu voto não valer.
Crítica ao Código Eleitoral
Especialistas dizem que a presença de fichas-sujas na campanha se deve à falta de seleção dos partidos sobre quem se apresenta para disputar mandato; o trâmite da Justiça Eleitoral, na qual o pedido do registro de candidatura é apresentada um dia antes do início da campanha; e a quantidade de recursos permitida por lei.
— Isso acaba tumultuando as eleições, pois os eleitores acabam votando em candidatos que podem vir a ter seu registro definitivamente indeferido, o que gera a anulação de seus votos. Não se trata propriamente de uma frustração, mas uma mudança necessária da legislação — diz o coordenador do Grupo Executivo Nacional da Função Eleitoral e procurador eleitoral de São Paulo, André de Carvalho Ramos. — Nas próximas eleições, a esperança é que estes números sejam menores, como resultado de uma tomada de consciência por parte dos partidos de que a Lei da Ficha Limpa é para valer.
O juiz Marlon Reis, do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), diz que o registro das candidaturas deveria ocorrer dois meses antes do processo eleitoral. Para ele, a falha não é da Lei da Ficha Limpa, mas do código eleitoral:
— A Justiça Eleitoral é a mais célere de todas. No entanto, o prazo da campanha é muito curto. É um erro grosseiro da lei. Deveria haver dois momentos. Primeiro, o candidato teria que provar que pode se candidatar. E depois, ter a candidatura homologada.
Para Marlon, o principal obstáculo ao cumprimento da legislação criada para punir os fichas-sujas é o artigo 16A, da lei eleitoral, que autoriza os candidatos com registros ainda em julgamento a participar de atividades de campanha. O juiz cita casos de candidatos que são inelegíveis e usam brechas na lei para, na reta final, substituir seus nomes nas campanhas pelo de parentes:
— É frustrante. Causa sensação de fraqueza das instituições. Muitos candidatos usam a lacuna das leis.
Até agora, 1.126 indeferidos recorrem
Dados do TSE mostram que, até o momento, 1.126 candidatos tiveram o registro indeferido em primeira instância e apresentaram recurso. Estão incluídos nesse número não só os enquadrados na Lei da Ficha Limpa, mas outros casos, como o de candidatos com pendências de documentação ou que não deixaram seus cargos públicos dentro do prazo previsto por lei.
A menos de um mês da eleição, 1.681 candidatos aguardam uma decisão da Justiça Eleitoral sobre seus registros. Deste, além dos indeferidos com recurso, 33 esperam avaliação ainda da primeira instância, os TREs, e 522 tiveram seus registros aprovados, mas os adversários ou o Ministério Público Eleitoral recorreram da decisão, e a situação precisa ser avaliada pelo TSE.
Entre os barrados com base na Lei da Ficha Limpa, há nomes conhecidos. Além de José Roberto Arruda, há o deputado federal Paulo Maluf (PP). Maluf tenta nova vaga na Câmara, mas teve o registro indeferido pelo TRE-SP por ter sido condenado por improbidade administrativa no processo que julgou a construção do complexo viário Ayrton Senna, no Ibirapuera, Zona Sul de São Paulo, durante a gestão dele frente à Prefeitura de São Paulo (1993-1996). O parlamentar recorreu ao TSE.
Arruda tenta se reeleger governador
Já Arruda foi barrado no TRE-DF por ter sido condenado em segunda instância por improbidade administrativa, em 9 de julho, por conta do esquema de corrupção conhecido por mensalão do DEM. Ele alega que a condenação se deu depois do início da campanha. O candidato do PR ao governo do Distrito Federal recorreu ao TSE, que manteve o indeferimento do registro. Mesmo assim, Arruda continua em campanha porque apresentou recurso ao próprio TSE. Além disso, entrou com liminar no Superior Tribunal de Justiça (STJ) para anular os efeitos da condenação no Tribunal de Justiça e, assim, tentar alterar o resultado do julgamento no TSE.
Entre os 17 nomes presentes no cruzamento e que tiveram a candidatura deferida, apesar de constarem no cadastro do CNJ, estão os candidatos a deputado estadual João Batista Beltrame e Luiz Eduardo Casagrande, do Paraná, e os candidatos a deputado federal Jamir Andrade, de Minas, e Lindomar Barbosa e Vera Paixão, de Rondônia. A ex-prefeita de São Gonçalo Aparecida Panisset aparece na lista do CNJ por ter uma condenação por improbidade administrativa em segunda instância, com a suspensão dos direitos políticos. Ela teve a candidatura indeferida pelo TRE-RJ e recorreu ao TSE.
Fonte: O Globo
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