O Projeto de Lei do Senado 555, chamado de Lei de Responsabilidade das Estatais, tem como um dos seus objetivos reverter a escalada de corrupção em empresas controladas pelo Estado e criar amarras para que os governantes não usem as estatais para fins políticos e populistas. Os danos ao caixa da Petrobrás, por exemplo, vieram não apenas dos casos de corrupção revelados pela Lava Jato, mas também, e com maior magnitude, por decisões equivocadas impostas pelo governo, como o congelamento dos preços da gasolina.
Poderá o projeto de lei resolver esses problemas? Ele traz, de fato, inovações interessantes. São estabelecidos critérios mais rigorosos para o apontamento de dirigentes e membros do conselho das estatais. A vedação ao apontamento de políticos, ministros e secretários aos conselhos é particularmente bem-vinda. Ao forçar uma estatal a reduzir preços ou investir em projetos pouco lucrativos, governantes e a sua coalizão tendem a pensar mais nos seus dividendos políticos do que no rombo que podem gerar as finanças da empresa. É impressionante como muitos, por ignorância ou má-fé, ignoram esse risco. Por exemplo, o ex-presidente da Petrobrás José Sergio Gabrielli justificou o aparelhamento da Petrobrás dizendo que “os partidos participam da gestão do Estado. Isso é parte da prática democrática. Isso é parte da democracia”. Nós bem sabemos o que virou essa “prática democrática”.
Chega a ser óbvio que a estatal tem de seguir o melhor interesse do Estado, e não de um governo em particular. Há, nesse sentido, uma proposta de obrigar as estatais a deixarem mais claro no seu estatuto qual é o seu objetivo social. A princípio, para evitar que governos voluntaristas inventem novos direcionamentos ao seu bel-prazer, as estatais não deveriam se desviar dos objetivos sociais que nortearam sua criação. Além disso, propõe a lei, desvios que impliquem custos financeiros à estatal deverão ser ressarcidos pelo governo. Nesta parte do texto, será preciso muito mais detalhamento e precisão sobre como e em quais condições haverá esse ressarcimento.
Um ponto controverso do projeto é a exigência de que todas as estatais se tornem sociedades anônimas. Críticos da proposta argumentam que isso é apenas um passo para posterior privatização. Vale lembrar, contudo, que uma sociedade anônima não precisa ser negociada em Bolsa nem ter investidores privados. Uma vantagem dessa exigência é simplesmente fazer com que as estatais se alinhem à Lei das Sociedades Anônimas, considerada de boa qualidade e com passagens que já versam sobre empresas de controle estatal.
Mas daí surge uma incoerência da proposta. Se há,corretamente, o desejo de se alinhar à Lei das Sociedades Anônimas, então o texto deveria ser muito mais enxuto, evitando sobreposições e passagens repetidas. A lei das estatais deveria ser, a princípio, muito simples e direta, com conteúdo mínimo que complemente o marco legal já existente. A criação de um marco sobreposto causará ainda mais insegurança jurídica. Além disso, a lei adiciona inúmeras provisões burocráticas, como, por exemplo, normas para compras e licitações em estatais. Aqui é importante atentar que muitas estatais são corporações competindo com empresas privadas no Brasil e no exterior. Ao impor mais controles às estatais, não podemos dar um tiro no pé ao reduzir a sua agilidade e competitividade. Uma sugestão é impor menos amarras para aquelas que se comprometam a seguir padrões superiores de governança (como o “Novo Mercado”), garantindo que os seus gestores e membros do conselho sejam amplamente responsabilizados caso desviem desses padrões. Afinal, já sabemos que o que não nos falta é excesso de regras e procedimentos. Uma lei mais pontual e direta, preenchendo lacunas da legislação vigente, evitará uma maior complexidade no regramento das estatais e permitirá que eventuais desvios sejam mais facilmente identificados e punidos de forma célere e exemplar.
Fonte: O Estado de S.Paulo, 27/02/2016.
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