Cresci no meio de livros. Meus pais eram ávidos leitores e via-os, com frequência, com obras nas mãos, comentando um com o outro o que haviam lido ou prontos para ler para nós, os três filhos.
Hoje, em meio à pandemia, continuo por eles cercada, lendo três ou quatro ao mesmo tempo, em diferentes formatos: ao correr na esteira pela manhã, escuto um audiolivro de não ficção, quando caminho na parte de baixo do meu prédio leio uma obra ficcional e à noite estudo algo sobre educação. Mas tenho consciência de que esse hábito, que me ajuda tanto na vida, veio para mim a partir de uma família de leitores.
Daí a importância de promover, a partir da escola e de bibliotecas públicas, o hábito da leitura naqueles que não tiveram a sorte que eu tive. Um aluno que não lê regularmente tende a contar somente com informações superficiais, escreve mal e perde a chance de fruir do belo e do instigante em literatura.
Ao acompanhar a votação do Fundeb na Câmara, lembrei-me não só do que a imprensa mais destacou, ao se referir à importância de um mecanismo permanente e redistributivo de financiamento da educação, como salários de professores e condições adequadas de infraestrutura, mas das salas de leitura. Como encantar jovens com estantes de enciclopédias antigas, obras inadequadas para a faixa etária ou livros que sofreram desgaste com o tempo (e não com o manuseio)?
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Precisamos proporcionar a alunos e professores plataformas variadas de leitura que incluam livros eletrônicos, em papel e audiolivros, e mostrar-lhes que, no século 21, os cânones podem se afrouxar tanto em relação às obras quanto a seus formatos.
Muitos poderão questionar a relevância de livros, se há tantas insuficiências nas escolas brasileiras. Afinal, cerca de 49% delas não estão ligadas a redes de esgoto, segundo dados do Censo Escolar de 2018.
Mas a escola não serve só para transmitir conhecimentos, atua também no desenvolvimento de hábitos e atitudes importantes para a vida. Sem salas de leituras equipadas com bons livros e professores preparados para formar leitores autônomos, sairão dos bancos escolares seres humanos incompletos e eventualmente insensíveis.
Segundo a neurocientista Maryanne Wolf, não há melhor estratégia para ensinar empatia que discutir obras literárias com os alunos e pedir-lhes que se coloquem no lugar das personagens para entender suas motivações e cicatrizes.
Como, aliás, a escrava fugitiva Sethe que mata sua filha para que ela não sofra a mesma sorte da mãe, no magnífico livro “Amada”, da premiada escritora americana Toni Morrison, que estou lendo atualmente.
Fonte: “Folha de São Paulo”, 24/7/2020