Nada como um recesso para colocar a leitura em dia. E, quando ela consegue ser agradável e de boa qualidade ao mesmo tempo, flui que é uma beleza.
Foi o que me aconteceu nesse recesso proporcionado pelos feriados do reinado de Momo. Precavido, me abasteci de quatro livros, mesmo sabendo que a leitura dos mesmos me consumiria bem mais do que os poucos dias de recesso.
De fato, consegui dar cabo de apenas dois dos quatro. Eles, no entanto, me proporcionaram uma leitura tão gostosa, que me vi na obrigação de compartilhar imediatamente com os amigos internautas. Quem sabe não serve de inspiração para pessoas que não enfrentem tantas restrições de tempo e possam desfrutar da leitura deles a qualquer momento.
Os dois possuem o mesmo estilo, uma vez que são livros constituídos por verbetes ou citações. Dessa forma, oferecem ao leitor a possibilidade de serem lidos na íntegra, do princípio ao fim, ou em doses homeopáticas, com a leitura dos verbetes ou das citações que forem de maior interesse. Costumo me referir a livros dessa natureza como oportunidades de obtenção de conhecimento em pílulas… ou em verbetes.
O primeiro que li com enorme voracidade foi “A economia na palma da mão” (Benvirá, 2015), de autoria de Carlos Eduardo S. Gonçalves e Bruno Cara Giovannetti, ambos professores da FEA-USP, embora o primeiro se encontre trabalhando atualmente como economista sênior do Fundo Monetário Internacional (FMI).
Carlos Eduardo S. Gonçalves, conhecido entre seus pares e amigos como Cadu, se especializou num tipo extremamente interessante de literatura, qual seja, escrever de forma simples e acessível sobre tema tão complexo como a economia. Nessa linha, que teve como grande destaque o best seller Freakonomics (Campus, 2007), Cadu já havia publicado “Sob a lupa do economista” (Campus, 2009), com Mauro Rodrigues, e “Economia sem truques” (Elsevier, 2008), com Bernardo Guimarães. Neles, a exemplo do que ocorre com “A economia na palma da mão”, discorre sobre temas econômicos por meio de uma abordagem fluida e acessível, sem jamais abrir mão do rigor acadêmico e da precisão analítica. Neste seu livro mais recente, ele se ocupa dos verbetes relacionados à economia em geral, enquanto seu parceiro Bruno Giovannetti aborda os verbetes relacionados especificamente à economia financeira.
O resultado atingido por eles é extraordinário, pois conseguem derrubar o mito de que a economia, além de ser conhecida como uma “ciência lúgubre”, é possuidora de um jargão próprio, o economês, absolutamente incompreensível para as pessoas comuns, não especializadas em tema tão complexo.
Ainda que, em minha opinião, a primeira parte, de responsabilidade de Carlos Eduardo S. Gonçalves, proporcione mais prazer ao leitor, seja pela maior experiência do autor, seja pela menor complexidade relativa dos verbetes, a segunda parte, de responsabilidade de Bruno Giovannetti, também consegue oferecer, dentro do possível, um enfoque compreensível sobre os intrincados meandros do mundo das finanças, culminando com uma didática análise da crise de 2008, cuja leitura tornará mais fácil o entendimento do excelente filme “A grande aposta”, em cartaz nos nossos cinemas.
O segundo livro devorado com voracidade semelhante foi “Antologia da maldade” (Zahar, 2015), de autoria de Gustavo H. B. Franco, ex-presidente do Banco Central, professor da PUC-RJ e sócio-fundador da Rio Bravo Investimentos, e Fabio Giambiagi, economista com mestrado pela UFRJ, que integra os quadros do BNDES, com passagens pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), em Washington, pelo Ministério do Planejamento e pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).
Como bem observa Merval Pereira, o livro “é mais do que um dicionário de citações, uma vez que seus organizadores não se limitaram a repetir a lógica tradicional de associação entre frases e verbetes, assim como não se contentaram com o repertório usual de máximas e aforismos. A ‘maldade’ do título decorre justamente das combinações que propõem e da atualização radical do conjunto de citações”.
Sem se limitar ao mundo da economia, embora pertença a ele a maior parte das citações, Gustavo Franco e Fabio Giambiagi, reúnem verdadeiras pérolas da sabedoria universal, algumas mais conhecidas do que outras, alternando nomes do Brasil e do exterior, e propiciando ao leitor momentos de agradável sensação, pontilhados, não raras vezes, de passagens bem humoradas e de sutil inteligência.
No esforço empreendido na seleção das citações, os autores chegaram mesmo, diante da ausência de documentação confiável, a recorrer à lenda, “sem prejuízo algum”, segundo eles, “para os envolvidos, que parecem acessórios de um processo evolutivo que vai tornando a sabedoria ainda mais aguda”. Para estimular a curiosidade dos amigos internautas, reproduzo apenas um trecho contido na Apresentação, referente a um episódio envolvendo o dramaturgo irlandês George Bernard Shaw e o ex-primeiro ministro britânico Winston Churchill. No referido episódio, Bernard Shaw envia um telegrama a Churchill convidando-o para a première de uma de suas peças com o seguinte texto: “Reservei-lhe dois ingressos para a estreia de minha nova peça. Venha e traga um amigo, se o tiver”. A resposta de Churchill, sempre segundo a lenda, teria sido no mesmo tom: “Impossível assistir à estreia. Assistirei à segunda apresentação, se houver”.
É por tiradas dotadas de fina ironia como esta que recomendo vigorosamente a leitura de “Antologia da maldade”.
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