Outro dia, em razão de determinado ato acadêmico, andei pelos corredores da velha Faculdade da Avenida João Pessoa, verificando que os corredores eram os mesmos, mas faltava alguma coisa no ar. Na tentativa de recuperar fiapos do tempo passado pensei em recordar, aqui e ali, os lentes que conheci mais de perto. A circunstância de registrar os 63 anos da colação de grau da turma que ingressara em 1943 e dela se despedira em 1947, me levou a evocar a figura de Darcy Azambuja, de quem ouvira a primeira aula. A propósito, nunca me esqueci da aula magna por ele proferida no ano anterior, ao ensejo do início do ano acadêmico. A guerra havia ceifado vidas, riquezas, nações, e seu desfecho era incerto e ainda havia muito a destruir. O orador fez um apanhado magistral da hecatombe, e as pessoas afeitas às belas letras gostariam de ler a peça de 1944, que a revista Estudos publicou.
Aproveitando a deixa, é natural que me fixe na pessoa do diretor da Escola, Elpídio Ferreira Paes. Latinista de prol, possuidor de farta cultura clássica, conquistara a cátedra de Direito Romano. A matéria era lecionada no primeiro ano e os acadêmicos, saídos de ginásios diversos, recebiam certo choque ao defrontarem-se com uma exposição diferente de uma matéria semelhante a muralha cheia de dificuldades, a começar a língua. O professor, cuja estatura não era elevada, calvo, sobraçando o grosso volume do Corpus Juris Civilis, inspirava receio. Extremamente dedicado à Faculdade, destituído de vaidades, de hábitos simples, conduzia os estudantes com seriedade e cortesia; não me recordo de um só incidente ou choque com um único estudante nos cinco anos em que o tive como diretor. Tenho lembrança de que em situações várias, com energia discreta, defendeu a Faculdade em emergências delicadas; fui testemunha ocular de algumas dessas situações e posso dizer que ele exerceu a autoridade devida sem deixar de abrigar no coração um favo de mel, que ocultava discretamente. Com o vasto conhecimento que armazenara, poderia ter escrito manual, sistema ou tratado acerca da matéria que lecionou anos a fio, mas ficou na sua tese de concurso e poucos artigos. Morava no coração da Rua da Praia, no edifício do Clube do Comércio, olhando as belas árvores, povoadas de pássaros ao entardecer e ao amanhecer, sempre com a companhia amorosa de dona Izolda.
O domingo que anteceder à publicação deste artigo será o último da presidência do Sr. Luiz Inácio Lula da Silva, que num momento menos feliz se autoproclamou o maior e melhor presidente da República em todos os tempos. Em tempos idos, dizia-se que elogio em boca própria é vitupério. O fato é que no dia 1º de janeiro a presidente será outra pessoa (até hoje não consegui compreender por que foi escolhido esse dia para a transmissão do cargo do Chefe de Estado, por todos os motivos o pior de todos os dias). Mas, já que o homem foi de tal maneira jactancioso, em artigo anterior lembrei fatos que não recomendavam a soberba autoridade.
Como mera testemunha do duplo quatriênio, lembrarei dois ou três fatos sumarissimamente. Ninguém ignora que entre nós o erário é o maior sócio e sócio privilegiado de todos os que trabalham e produzem no Brasil e ninguém contesta que a carga fiscal é muito alta, notadamente quando comparada com a qualidade dos serviços públicos. E nada foi feito no sentido de aliviar a situação, que é antiga.
Outrossim, a taxa de juros reais é a maior do mundo desde o início do consulado até seu dia derradeiro. E ainda agora, de certo modo invadindo o novo governo, foi anunciado seu iminente agravamento. Os oito anos decorridos foram vãos na medida em que nada foi feito para corrigir o triste primado.
Por derradeiro, se é exato que nunca se vira presidente com 80% ou mais de popularidade, também é certo que jamais se vira tamanha publicidade a bafejá-la. Sem falar na publicidade legal, em oito anos, o governo gastou cerca de 10 bilhões de reais e no último ano, até a primeira semana de dezembro, o gasto foi de um bilhão e cem milhões, coisa de 3 milhões diários. Agora, para festejar a “despedida”, mediante 325 veículos de comunicação, foram despendidos mais 20 milhões para engrandecer o maior governante de todos os tempos. Nunca se vira coisa igual nem parecida desde o governo de Tomé de Souza…
Fonte: Zero Hora, 03/01/2011
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