Canta, ó Musa, a luta inglória do severo Ministro
Que da tesoura fez sua afiada arma na demanda
Pela estabilidade da nativa economia e da dívida
Do governo, condenadas pela tibieza do Genovês
E pelo desmedido orgulho da Rainha do Poste,
Persuadida pelos áulicos da Princesa d’Oeste.
Dos mestres em Chicago sabia o feroz Tesoureiro
Que imperioso era o primário superavit
Na batalha contra a crescente dívida, sem o que
Perder-se-ia o valioso grau de investimento
Por tantos prezado (e tão poucos defendido!)
1,1% de PIB mirou e as tesouras em moção pôs.
No entanto, ó sorte aziaga, não percebe o herói
Que a Rainha, pela fortuna e prudência abandonada,
Não mais sua horda comanda, nem mais as bênçãos recebe
Daquele que a ungiu, cedendo-lhe cetro, coroa e trono
Mas, titereiro astuto, às cordas lhe prende impiedoso,
E à cabeça da ala esquerda marcha, sem rumo.
Não vê também que a maldição do ouro negro e o saque
Indiscriminado da Petrobras, à Rainha opuseram as tropas
Que lealdade haviam jurado, em troca, porém, de butim
A quem não lhes cabia. E, lançado à frente de batalha,
Logo entende a solidão em meio às hostes aliadas,
Tesouras partidas, as lâminas no pó caídas, em fuga o escudeiro.
Não se rende o Ministro e aos seus brada pelo apoio,
Mas, cercado e solitário, aos poucos retrocede, escudo à frente
E 0,15% do PIB (não riam!) aceita, em troca, acredita
De promessa de, mais adiante, aos 2% do PIB chegar.
Forma-se o tumulto. Cresce a dívida apesar da jura,
Subjugada pela implacável e inexorável aritmética.
Sobe com ela o dólar, movido pelo alarmante pavor
Da fraqueza do herói, seu isolamento, as navalhas embotadas.
O escudo, outrora invulnerável, já não afasta os golpes
Do destino cruel, nem das tropas que, rebeladas, não mais
Aceitam segui-lo na árdua peleja do ajuste fiscal; E se acerca a perda do grau de investimento.
A inflação, besta novamente desperta, rompe os grilhões. Resta apenas ao Bardo a penosa lide de novas setas contra ela lançar.
Mais 0,50 ponto, sacrifício pago no altar da irresponsabilidade,
Em troca de outro juramento de convergência, novas correntes
A atar aquilo que jamais deveria ser liberto (mas foi!),
Arrasando o que se imaginava sadio daquele tormento.
De pouco valem as novas flechas, porém, sem o apoio do primário.
Fortalecida a fera pelo gasto público, e por mais que o futuro trará,
Ela prospera, selvagem e bestial, a carcomer valores e morais.
Fortalecido pelos anos de liberdade, o veneno lento, poderoso
Mais uma vez se alastra, inebriante, corrosivo, mortal
Dominando corações e mentes de uma terra desiludida.
Exausto, o guerreiro recua, esperançoso ainda de persuadir
A fiel audiência que derrota não houve; no máximo um estorvo.
Aperta, contudo, o cerco à Rainha, abandonada pelas hostes.
Alas direita e esquerda partidas, em formação de batalha íntima,
Sob o olhar estupefato das colunas adversárias, alheias ao combate,
E prenhas de dúvidas: consciência ou oportunidade; luta ou neutralidade.
Entende, por fim, a futilidade: sem o trono não há vitória possível.
A Rainha omissa condena o reino e a bravura é inútil.
As lâminas, desprovidas de rumo, de nada servem.
Pranteia, ó Musa, a derrota inglória do severo Ministro
Que, sob o disfarce de realismo, escancarou a debilidade da pátria
E os destroços de tantos anos de descuido.
Fonte: Folha de S. Paulo, 29/7/2015
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