Popularmente, no Brasil, acredita-se que os intervencionistas estão do lado dos consumidores, e os liberais, das empresas. Essa visão decorre da imagem de que as intervenções são feitas para proteger o consumidor da liberdade de empresa, que colocaria o cidadão comum refém das grandes corporações. De um lado estaria quem defende maior regulação — como aumento da oferta de serviços e preços controlados, exemplo — contra o outro lado, que defenderia a liberdade da empresa definir seus preços e ofertar serviços diferenciados, por exemplo.
Esse raciocínio é errôneo, porque intervenções podem não proteger o consumidor e ainda provocar a falta de concorrência no mercado, piorando a situação do cliente final. Além disso, o liberal sabe que a melhor proteção para o consumidor é a maior oferta de serviço, combinada com um estado que funcione no cumprimento de contratos. Ainda que um intervencionista seja bem intencionado — que queira, de fato, beneficiar o consumidor — muitas vezes ele falha em só ver a parte afetada e não calcular os custos da decisão e o aumento da barreira de entrada para novos competidores.
Entretanto, alguns liberais incorrem num outro erro: a de militar na frente pró-empresas. Talvez por saber do perigo que é o poder do estado, acreditam que devem sempre estar do lado das empresas. E é nessa linha de raciocínio que desejaria falar sobre o derramamento de óleo da BP nos EUA.
Milton Friedman lembrava, quando criticavam a atuação de alguma empresa em qualquer setor (bancos, automóveis etc), que ele era pró-mercado e não pró-empresas. Ainda que o melhor sistema seja ter liberdade de atuação, isso não quer dizer que todos que vão atuar no mercado serão virtuosos. O que isso garante é que o mercado punirá aquele que ficar parado e não inovar, não gerar valor para os acionistas e clientes.
Vi muita gente que se diz aliado à defesa da economia de mercado criticar o governo americano pela recente retórica contra a BP. Os argumentos vão da ideia de que o governo não saberia tapar o vazamento, e portanto não teria como se meter no assunto, a que está usando a crise para avançar uma agenda intervencionista. Afirma-se também que seria um erro decretar uma moratória na perfuração em águas profundas, pois isso colocaria em risco milhares de empregos.
No mundo ideal libertário, com direitos de propriedade perfeitamente definidos e custos judiciários desprezíveis, não seria necessário governo para resolver o problema. Os setores turístico e pesqueiro, alguns dos mais afetados, negociariam as compensações diretamente com a BP. Mesmo assim, é incerto quem poderia representar os direitos e interesses de todos os animais afetados. Dada a profunda externalidade negativa da atividade petrolífera em alto mar, uma ação de governo é esperada nesse caso, como na compensação dos custos.
De fato, o governo americano até o momento é mais culpado de omissão e fraqueza em relação à BP do que qualquer outra coisa. E a moratória na perfuração em alto mar faz todo o sentido. Em depoimento ao Congresso, executivos de companhias de petróleo reconheceram não estarem preparados para um vazamento como aconteceu com a BP. Ou seja, sabem furar e tirar petróleo, mas não há garantia de que se houver um vazamento vão conseguir conter os danos em tempo hábil.
Com a crescente escassez de reservas de petróleo de fácil acesso e baixos custos de operação, o preço do petróleo tende a subir. Sim, pode existir muito petróleo em alto mar, como no pré-sal brasileiro, mas há custos e riscos operacionais crescentes, fatores que precisam estar embutidos no preço do óleo. Ter o governo ajudando esse tipo de produção – seja subsidiando diretamente, seja fazendo pouco caso das devidas compensações aos empresários afetados e danos ambientais – é apenas uma forma de distorcer a melhor alocação de recursos que o mercado pode providenciar, como o investimento em energias alternativas. Ser pró-mercado, nessa situação, como eu entendo, é exigir do governo (e judiciário) a devida punição a empresas que atuaram sem precificar adequadamente o risco de operação.
A situação americana é muito ruim, mas espera-se que as partes envolvidas apenas façam o seu papel. O governo ajudando na limpeza e cobrando as compensações a BP e a BP limpando o caixa para pagar o que é de direito das partes afetadas. Não apenas o caixa, mas também sofrendo a queda na reputação. Mas poderia ser pior. Imaginem o que pode acontecer em caso de um desastre ambiental em que exista um conflito de interesse, em que governo e operadora de petróleo sejam uma mesma máquina. E é assim que foi aprovado o novo marco regulatório do pré-sal brasileiro, com a Petrobras operadora de todos os campos.
(Publicado em OrdemLivre.org)
Reservas de petróleo ainda temos muitas. Nem todas em mãos amigas, mas temos.
O mercado é formado por empresas. Logo, pró-mercado, é pró-empresa. A visão da responsabilidade social ainda não foi considerada em nosso país.
A partir do momento que paises de 1o mundo concordarem em comerciar de forma justa com os de 3o mundo, então assuntos globas serão realmente globais.