*Por Mariana Mandelli
Não é de hoje que os números de ataques à liberdade de imprensa vêm crescendo de modo assombroso no Brasil e no mundo.Todavia, os índices registrados no último ano, somados a acontecimentos recentes, colocaram ainda mais urgência no debate público sobre esse tema.
A notícia de que governos de dez países utilizaram um sistema para espionar os celulares de repórteres, opositores e ativistas trouxe à tona a dimensão do problema. Reportagens publicadas por um consórcio de imprensa formado por alguns dos principais veículos internacionais, como The Guardian, The Washington Post e Le Monde, mostram como age o Pegasus, ferramenta digital vendida por uma empresa isralense que consegue acessar dispositivos particulares mesmo que o usuário não clique num link suspeito ou baixe algum arquivo virulento.
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De acordo com a investigação, o uso abusivo desse malware pelo poder público colocou em risco o trabalho de mais de 180 jornalistas de agências, como a Reuters e a Associated Press, e de jornais, como o Financial Times e o News York Times.
Apesar do Brasil não estar diretamente envolvido na denúncia, por aqui a situação não é assim tão diferente. Diversos relatórios vêm traduzindo em números o que acontece no dia a dia de profissionais de imprensa dentro e fora das redes sociais. Lançado em 20 de julho, um documento da rede Voces del Sur (VdS) mostra que a quantidade de alertas contra o acesso à informação e às liberdades de expressão e de imprensa no País aumentaram mais de 220% em 2020, se compararmos com 2019. A rede é formada por organizações da América Latina, como a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji).
Em abril, a organização Repórteres sem Fronteiras (RSF) já havia mostrado, por meio do Ranking Mundial da Liberdade de Imprensa, que o Brasil havia entrado para a zona vermelha do levantamento, determinação concedida aos países onde o contexto de trabalho desses profissionais é considerado difícil. É a primeira vez em duas décadas que recebemos essa vexatória classificação.
O combate a esse tipo de violação é complexo e envolve atores dos mais diversos escalões, especialmente políticos e autoridades públicas. Isso porque espionar e atacar o trabalho de jornalistas não é apenas uma questão de atentar contra a segurança digital e física deles, mas de ferir direitos. E, quando falamos em direitos, não estamos nos referindo apenas aos que competem aos profissionais da área, mas aos direitos de todo e qualquer cidadão.
Nossa Constituição Federal garante, em seu artigo 220, que: “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição”. Além disso, afirma que “nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social” e que “é vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”.
Apesar das garantias legais, falta-nos a percepção de que a liberdade de imprensa é um direito de que todo e qualquer indivíduo, jornalista ou não, usufrui diariamente para tomar decisões e fazer escolhas em todas as esferas da sua vida social, escolhas estas que vão de usar máscara durante uma pandemia a acompanhar uma comissão parlamentar de inquérito, passando por ouvir propostas e selecionar candidatos em um pleito eleitoral. É com base em informações que tomamos essas e outras atitudes, sendo que grande parte dessas informações chega até nós por meio da imprensa.
De forma geral, ataques à liberdade de imprensa são vistos como menos graves do que o cerceamento de outros direitos. Isso ocorre por diversos fatores, inclusive pelo distanciamento da imprensa da sociedade. Mas, mesmo com a dimensão e complexidade da desinformação e com a crise de legitimidade do jornalismo profissional — fenômenos que andam de mãos dadas —, é o trabalho de repórteres e editores que ainda pauta diversos debates, especialmente no âmbito político. As chamadas “fake news” usufruem exatamente disso, pois são conteúdos que simulam a linguagem e o visual de reportagens e veículos tradicionais para manipular, distorcer e difamar.
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Não interessa qual veículo ou jornalista você prefere ou mesmo qual a sua opinião, como leitor, ouvinte e espectador, sobre determinada linha editorial: se um profissional de imprensa está sendo ameaçado, o seu direito à informação e a sua liberdade de expressão também estão. Essa consciência é fundamental para a sustentação da democracia e só pode ser desenvolvida com educação midiática e informacional da população, demandas que se tornam mais urgentes a cada dia.
Fonte: “Instituto Palavra Aberta”, 29/07/2021
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