Em uma viagem recente a Washington, visitei um museu diferente, o Newseum, que mostra cinco séculos de história da notícia no mundo. Instalado num prédio de concreto e vidro, representando a solidez da notícia e a transparência da informação, o museu celebra a liberdade de expressão.
A cada sala, uma surpresa. A cobertura da queda do Muro de Berlim traz o relato completo de período recente da história e nos convida a tocar num pedaço do muro. A galeria destinada aos atentados de 11 de setembro de 2001 mostra um pedaço de uma das torres derrubadas, além das principais capas de jornais publicadas sobre o assunto no dia após a tragédia e de uma singela caixa de lenços para que os visitantes mais emotivos possam enxugar suas lágrimas.
Mais um andar, e agora é a vez de encontrar a história da notícia com fragmentos impressos que começam no ano de 1455 e seguem até os dias atuais.
Embora o conteúdo seja de impressionar, o que mais me chamou a atenção foi a fachada do edifício. Nela está, esculpida em mármore, a Primeira Emenda da Constituição americana, que garante a liberdade de expressão, de imprensa, de manifestação, de religião e de se reunir em torno de uma causa, mostrando o enorme valor que se deve dar à liberdade.
Volto e me deparo com notícias que colocam em xeque a situação brasileira. São relatos e posições contrárias à liberdade de expressão. São cada vez mais frequentes os ataques à imprensa e a jornalistas no decorrer da apuração de reportagens investigativas, além do aumento de casos de processos contra veículos e profissionais da imprensa.
Segundo levantamento da Associação Nacional de Jornais (ANJ), em dois anos, foram mais de 17 casos de censura judicial no país, entre eles o caso do jornal “O Estado de S. Paulo”, há mais de dois anos impedido de publicar reportagens sobre a Operação Boi Barrica. E, mais recentemente, os casos da RBS/“Zero Hora” e da revista “Viver Mais” (MG), que sofreram sentenças judiciais impedindo a publicação de reportagens.
As ameaças não param por aí. Basta uma matéria trazendo informações de mais um escândalo envolvendo autoridades ser publicada ou veiculada para que os críticos à “liberdade excessiva da impressa” voltem a falar da necessidade da regulação dos meios de comunicação.
É alarmante também o debate em torno da liberdade de informação comercial. Na onda do politicamente correto, temos acompanhado inúmeras tentativas de tirar do ar propagandas e programas, com o pressuposto de defender minorias e grupos de consumidores que são considerados, por parte daqueles que pedem a suspensão desses anúncios, como hipossuficientes ou incapazes de decidirem por eles mesmos.
É preciso lembrar que vivemos num regime que se sustenta na liberdade de expressão e no acesso irrestrito à informação — dois direitos inalienáveis da cidadania, do ser humano na sua condição de ente ao mesmo tempo individual e partícipe de uma coletividade livre.
Cidadãos informados não se deixam subjugar. Povos subjugados não desfrutam do progresso, nem material, nem cultural, nem espiritual. Eles não aprendem a escolher e nem têm opções de escolha — a vida lhes é entregue, sem gosto.
Se vivemos num país livre, quero ser livre para mudar de canal se não concordar com a programação oferecida. E, caso não goste da forma que uma determinada marca usa para divulgar seus produtos, que simplesmente tenha o direito de não me tornar consumidora dela. Ou seja, ter a liberdade de escolher, sem a necessidade de que outros decidam por mim.
A questão maior em torno desse debate não deveria estar em discutir liberdade ou proibição, necessidade de tirar do ar um comercial ou de suspender a publicação de uma reportagem. Deveria estar, sim, em construir uma sociedade educada e consciente dos seus direitos e deveres. Deveria estar na reafirmação das garantias à liberdade de expressão, uma vez que é um direito previsto na Constituição brasileira.
Quem sabe a solução para acabar de vez com esse debate e fazer valer esse direito sem que haja questionamentos seja a mesma adotada pelo Newseum: esculpir em pedra o artigo que trata da liberdade de expressão!
Fonte: O Globo, 07/11/2011
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