A discussão sobre a liberdade de informação é ótima, mas está centrada na mídia tradicional. Sem liberdade de circulação de ideias tudo para, dos pequenos prazeres às grandes inovações.
Mas pouco espaço tem sido dedicado à manutenção da liberdade na internet. Como ela é livre, poucos se lembram da importância de preservá-la assim.
Quem cresceu sem internet acha-a interessante, mas a maioria não explora todas as suas virtudes e liberdades. Quem cresceu com ela é mais audaz em buscar seus meandros mais interessantes e ousados, mas a estes falta a noção de como era o mundo sem internet.
A internet livre é o que mais se aproxima do mercado perfeito de Adam Smith, John Stuart Mill e Milton Friedman. Na internet você acha tudo o que quiser e faz praticamente o que bem entender, do mais interessante ao mais enjoativo. Se todos concordassem a respeito do que é interessante ou enjoativo, não teríamos apostas nem discussões.
Há muitas gente poderosa que quer censurar a internet. O controle pode ocorrer, acabando com a neutralidade da rede (que permite que todas as ideias circulem com a mesma velocidade e amplitude) ou censurando-a por acharem que ela é um depósito de informações perigosas.
Mas perigosas para quem? Se levarmos em conta as diversidades culturais, a internet serve tanto para defender o direito de Sakineh de não ser apedrejada quanto para defender a cultura que acredita que ela deva ser apedrejada.
Da diversidade e do embate das ideias é que surgem novidades criativas. Com censura as pessoas não podem informar-se sobre alternativas nem discuti-las.
Muitos acham inútil e perigoso que adolescentes passem horas sem fim navegando ou jogando com alguém do outro lado do mundo. Quem inventou a internet não pensou nisso, nem em que as pessoas poderiam comprar, vender, discutir, debater, namorar, casar ou encontrar almas irmãs para compartilhar os mais esdrúxulos (não necessariamente malévolos) gostos e preferências.
Dito assim parece chocante, mas a diversidade dos interesses humanos é muito maior do que imaginamos. Pessoas que visitam países “exóticos” porque tiveram dinheiro e interesse em lá ir comentam achar estranho que na Coreia se coma carne de cachorro ou que na China se cozinhe com gordura de iaque.
A internet permite-nos tudo isso de graça. Mais importante do que apenas preferências, a internet oferece a oportunidade a um enorme número de pessoas, que nunca teriam acesso a mais informações do que seus cinco sentidos e seus recursos econômicos permitem, de andar por caminhos impensados há 30 anos.
Nos início da internet a coleção de artes do Vaticano ficou famosa e competia em pé de igualdade com receitas para fazer bombas, como uma vez disse um senador da República, justificando a necessidade de censurar a internet.
Mas não nos esqueçamos de que a excentricidade tem livre trânsito na internet e dela surgem grandes invenções.
Foi preciso que Ford e outros excêntricos atinassem com a solução de colocar um motor na carruagem para as pessoas pararem de pensar que a solução para transportes mais rápidos seriam cavalos mais rápidos.
Outro excêntrico, menos conhecido porque muitas de suas ideias circularam limitadamente num mundo que ainda não estava pronto para elas, foi Nikola Tesla. Ele foi o inventor da corrente alternada que sai da sua tomada e alimenta todos os seus eletrodomésticos, das lâmpadas aos computadores. Tesla ficaria no anonimato, restrito a poucos entusiastas, se não fosse pela internet. Interrompi este artigo e busquei Tesla no Google: 14,7 milhões de referências. Sem ela poucos saberíamos que Tesla sequer existiu.
Prepare-se para as invenções dele. Estão sendo aplicadas no carro elétrico da marca Tesla, já lançado em mercado restrito. Tem a performance de uma Ferrari, sem consumir combustível fóssil. Daqui a alguns anos a sua tomada elétrica ficará obsoleta porque a transmissão da eletricidade se dará sem fios. Adeus àquela confusão das casas nas quais os fios se embaraçam pelo chão e dão choques nos cachorros (que retornaram, no Google, 37 milhões de resultados).
Falei só do pitoresco, mas quem gosta de ir ao cinema e pouco se interessa por internet não imagina que os jogos de internet já faturam mais do que a indústria cinematográfica.
Precisamos incluir a preservação da liberdade na internet quando nos queixarmos dos ataques do governo à mídia.
A internet, do ponto de vista da mídia, permite até que a mídia impressa, falada e televisiva multiplique seu alcance muitas vezes. Este artigo que você pode estar lendo aqui, no Estadão impresso, está disponível na internet inteiramente grátis. Milhões de pessoas têm acesso a ele. Diariamente, em torno de 1 milhão de pessoas acessam o estadao.com.br, sem precisar gastar papel ou dinheiro.
A internet merece respeito, carinho e proteção. Boa parte das coisas que você estará consumindo daqui a 25 anos ainda não foi inventada e a internet é o principal ambiente em que essas ideias e invenções serão compartilhadas, difundidas e aperfeiçoadas. Sem liberdade na internet os benefícios do progresso científico demorarão muito mais tempo.
E o que um censor proíbe hoje pode ser a salvação de milhares ou milhões, ali na esquina ou espalhados pelo mundo.
A aids, nos seus primórdios, não tinha financiamento de pesquisa do governo americano por ser considerada castigo divino para comportamento sexual inadequado ou pecaminoso.
A hepatite C assola 170 milhões de pessoas no mundo (e mata anualmente mais de 10 mil) e se transmite de maneira parecida com a aids. O desenvolvimento de remédios para ela pode ser muito mais rápido com liberdade na internet.
Fonte: Jornal “O Estado de S.Paulo” – 30/09/10
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