O debate sobre a regulação dos meios de comunicação torna-se cada vez mais necessário, tendo em vista que o Brasil convive com uma situação de fato dissociada da legislação vigente do setor. Para se ter uma ideia da defasagem basta constatar que leis atuais, que datam dos anos 70 do século passado, foram feitas para um mundo que desconhecia computador, internet e todas as novas mídias que depois se desenvolveram. As empresas de comunicação acompanharam essa evolução, criando novas realidades não contempladas na lei ou exigindo a sua modificação por um evidente descompasso do legal em relação ao real. Renovar é preciso.
No governo anterior, porém, esse debate foi indevidamente identificado com uma regulação de conteúdo, com interferência direta na liberdade de imprensa. Seu projeto era, nesse sentido, intervencionista, tendo o apoio de setores partidários e de movimentos sociais que clamavam – e clamam – por um “controle social da mídia” ou por uma “democratização dos meios de comunicação”. Assim colocada, a questão terminou sendo confundida com um tipo de censura, tendo como mote controlar a livre-iniciativa e a liberdade do setor. O viés ideológico contra certos grupos econômicos foi muito manifesto, produzindo, de parte deles, uma legítima reação contra qualquer tipo de regulação.
A presidente Dilma Rousseff utilizou uma expressão muito apropriada para expressar sua posição. Disse que o único controle possível é o controle remoto, que o indivíduo, diante de seu aparelho de TV, utiliza para mudar de canal. Vale a liberdade de escolha. O ministro Paulo Bernardo está seguindo, muito seriamente, essa linha de ação, afastando-se, precisamente, de qualquer viés ideológico, abordando a questão de maneira eminentemente técnica. Isso significa uma orientação pela mudança, atenta à modernização regulatória necessária para o setor, e o abandono dos preconceitos ideológicos.
Para que tal reforma do marco regulatório se torne possível é, no entanto, preciso que se distinga a regulação formal – ou seja, a reforma do marco regulatório – da regulação de conteúdo, que seria uma forma de cerceamento da liberdade de imprensa. O novo governo está dando mostras de fazer essa distinção. Logo, os diferentes agentes econômicos e políticos envolvidos nesse processo deveriam partir desse reconhecimento, fortalecendo a mudança de posição em curso. O elogiável deve ser elogiado, o criticável deve ser criticado, sem nenhum tipo de parti-pris político.
Embora tenha sido pouco noticiado, o atual ministro das Comunicações fez importantes mudanças na legislação até então vigente sobre TV por assinatura, em função das profundas transformações do mundo digital. Observe-se que a legislação que rege a televisão aberta se distingue da fechada, que envolve a telecomunicação, enquanto a primeira se situa na radiodifusão. Tais alterações, apesar de sua pouca repercussão pública, foram fruto de intensas negociações, feitas num ambiente de diálogo. Há, contudo, ainda muito por fazer, sobretudo considerando a necessária mudança do marco regulatório em geral.
Segundo a legislação atual, por exemplo, a propriedade cruzada é proibida, não podendo uma mesma empresa manter jornais, rádios e televisão numa mesma cidade. Algumas empresas nãos seguem o que a lei estabelece. Pode-se, todavia, colocar a questão de se deve aplicar-se estritamente a lei ou modificá-la em razão da interconexão dos diferentes meios de comunicação. Não se trata, contudo, de uma questão simples, pois qualquer mudança no marco regulatório deveria seguir os princípios da concorrência e da pluralidade de opiniões e posições.
Outro aspecto que deveria ser posto em questão é o controle de meios de comunicação por políticos, que agiriam segundo seus interesses eleitorais. O tema das outorgas de emissoras ou retransmissoras de rádio e TV entra aqui em pauta e, aí, sim, dentro de um espírito de fortalecimento da cena democrática, independentemente de quaisquer apadrinhamentos. Nesse sentido, alguns princípios norteadores de tal discussão deveriam ser precisamente estabelecidos, tendo como condição evitar qualquer confusão com controle do conteúdo ou cerceamento da liberdade de imprensa.
O fortalecimento da pluralidade na comunicação é uma condição mesma de Estados democráticos, cuja regulação deveria ter em vista esse objetivo maior. Critérios e condições deveriam ter em vista esse “bem” estruturante da democracia. A concorrência entre distintas empresas é certamente imprescindível, pois quem ganha com isso é o cidadão consumidor, que pode escolher entre distintas alternativas que a ele se apresentam. Quanto maior for a concentração, menor a concorrência. Eis um debate que deveria ser levado em conta sem nenhum viés ideológico. Isso pressupõe que a livre-iniciativa reja o setor, com empresas concorrendo entre si e com empresas públicas e comunitárias, em espírito concorrencial, tendo como finalidade o interesse de todos os cidadãos.
Dever-se-ia, igualmente, tratar dos canais religiosos, sem preconceito algum, pois são legítimas suas formas de manifestação, independentemente das igrejas envolvidas, católica ou evangélicas. Na situação atual, há provavelmente equilíbrio entre elas.
Nada disso, porém, é possível se não for realizado um amplo debate público que leve em conta os diferentes atores e sensibilidades. A divulgação de propostas de modificação do marco regulatório é aqui central, cada um tendo direito de apresentar suas ideias. Se nada for feito, teremos, apenas, a conservação do status quo. O ministro Paulo Bernardo já deu mostras de ter distensionado o ambiente, num espírito de abertura e discussão.
Oportunidades desse tipo não podem ser desaproveitadas, em nome da democracia brasileira.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 26/03/2012
Escreveu demais e não disse nada. Falou genericamente.