O caso é o seguinte: se o Supremo Tribunal Federal decidir que Sergio Moro foi parcial quando julgou e condenou Lula, ficam anuladas só as ações penais referentes ao ex-presidente ou todas as que tenham sido decididas pelo ex-juiz no âmbito da Lava-Jato?
Ou ainda: livra apenas Lula, livra todos os que foram condenados nos mesmos processos do ex-presidente ou zera toda a operação?
A questão circula nos meios políticos e jurídicos. Os advogados dos réus condenados na Lava-Jato estão esfregando as mãos. Mas os advogados de Lula estão tentando baixar a bola, dizendo que a decisão do STF sobre a suposta parcialidade de Moro só valeria para o ex-presidente, não beneficiando mais ninguém.
Por que isso? Porque uma coisa é zerar os casos de Lula; outra, bem diferente, e de muito maior impacto político e social, é zerar toda a Lava-Jato.
Para dar o contexto. Na semana passada, a Segunda Turma do STF decidiu, por dois votos a um, que Sergio Moro foi parcial e político quando retirou o sigilo da delação premiada de Antonio Palocci a seis dias do primeiro turno da eleição de 2018. A delação foi anexada aos autos do processo em que Lula é acusado de receber propina da Odebrecht.
Nessa Segunda Turma, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski votaram a favor de Lula; Edson Fachin votou pela imparcialidade de Moro. Não votaram, sem explicações, Cármen Lúcia e Celso de Mello.
Mas isso é apenas parte da história, porque a mesma Segunda Turma está para julgar, a qualquer momento, um habeas corpus em que a defesa de Lula pede a suspeição de Moro em todas as causas envolvendo o ex-presidente, anulando assim todas as decisões.
Se isso acontecer, o que vem em seguida?
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O repórter André Guilherme Vieira, do “Valor”, entrevistou juristas para os quais a suspeição poderia ser estendida a toda a operação Lava-Jato. Em especial, ouviu o advogado José Roberto Batochio, que integra a defesa de Lula. A reportagem foi publicada na edição impressa de terça, 11 de agosto, e reproduzida no site.
Nela, Batochio admite claramente que a eventual suspeição de Moro, se admitida pelo STF no caso Lula, se estende a todos os que tenham sido alcançados pelas mesmas sentenças. E mais, que poderia até mesmo anular todas as delações premiadas validadas por Moro e mesmo “todos os processos decisórios da lavra do juiz suspeito”.
Só faltou dizer que aqueles que confessaram e devolveram dinheiro à Petrobras teriam direito a receber tudo de volta.
Na mesma terça-feira, porém, o advogado de Lula nesse habeas corpus, Cristiano Zanin Martins, enviou nota ao “Valor”para dizer que o caso se referia exclusivamente ao ex-presidente. Para Zanin, a declaração de suspeição de Moro deve anular todas as condenações de Lula e levar todos esses processos para o ponto inicial, não beneficiando, portanto, outros condenados na Lava-Jato.
Batochio também se apressou em enviar nota ao “Valor” para explicar que falara em tese, abstratamente, teoricamente, e que ele nem estava na equipe de defesa de Lula nesse caso do habeas corpus.
Acontece que persiste uma dúvida no placar de votação da Segunda Turma. Gilmar e Lewandowski já disseram que Moro é suspeito e agiu politicamente. Edson Fachin e Cármen Lúcia votam pela imparcialidade de Moro e, pois, pela manutenção das sentenças. E Celso de Mello, o decano, que se aposenta em 1º de novembro e pode ser submetido a uma nova cirurgia em breve?
Sabe-se que o decano não aprecia certos métodos de Moro, mas também já se manifestou favoravelmente à capacidade de combate à corrupção da Lava-Jato.
E aí? Aí que voltamos ao ponto de partida. Anular todas as condenações de Lula, e torná-lo de novo ficha limpa, já terá um enorme impacto social e político. Anular toda a operação, então, será um terremoto.
A verdade é que advogados e juristas ouvidos pelo “Valor”, especialmente Batochio, queimaram a largada. Deixaram escapar o que já têm em mente. E é claro que a extensão do caso pode influenciar o voto de Celso de Mello. Daí a corrida para desmentir.
O relator do habeas corpus é Gilmar Mendes. Cabe a ele marcar a data do julgamento.
Fonte: “O Globo”, 13/8/2020
Foto: Tânia Rêgo / Agência Brasil