Quando começou, o governo Michel Temer trouxe para a área econômica um time de estrelas do mercado, que contava com nomes como Maria Sílvia Bastos Marques no BNDES, Pedro Parente na Petrobras e Ilan Goldfajn no Banco Central (BC).
Os dois primeiros já estão fora. Maria Sílvia foi a primeira a sair, pouco depois do escândalo provocado pela delação da JBS. O BNDES fora o principal financiador do crescimento da empresa. Maria Sílvia obtivera apoio para mudar o cálculo dos juros benevolentes oferecidos pelo banco. Mas não resistiu à pressão do empresariado interessado em manter benesses e dos funcionários resistentes a mudanças.
Parente caiu por motivo semelhante. A nova política de preço para os combustíveis adotada na Petrobras foi o estopim da greve de caminhoneiros que parou o país. O governo foi incapaz de mitigar os efeitos da alta do petróleo e do dólar no preço do diesel na bomba, num mercado de fretes deprimidos, artificialmente ocioso (graças, por sinal, aos juros benevolentes do BNDES que encheram o país de caminhões).
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Símbolo da nova gestão que começava a resgatar a saúde financeira da Petrobras, Parente também não resistiu à pressão de grupos organizados para que o governo voltasse a manipular os preços dos combustíveis, prática corrente ao longo da nossa história.
Goldfajn permanece no BC, tendo sido o protagonista da bem-sucedida política monetária que mantém a inflação brasileira no nível mais baixo desde o Plano Real. Diante da alta do dólar e da incerteza eleitoral, enfrenta pressões políticas não muito diferentes das que derrubaram Parente e Maria Sílvia. Por ora, ainda resiste.
Os três casos revelam uma tensão inerente à democracia: até que ponto é possível manter uma gestão por critérios puramente técnicos imune à pressão de grupos minoritários organizados? A resposta revela quanto de ilusório existe na visão que defende a blindagem dos gestores profissionais a ingerências políticas.
O economista Mancur Olson (sobre quem escrevi aqui) foi pioneiro ao detectar uma espécie de “falha de software” nos regimes democráticos. Pela própria natureza da democracia, grupos organizados ou barulhentos – sejam o empresariado, sindicatos ou os caminhoneiros – sempre têm um poder desproporcionalmente maior que seu tamanho.
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A melhor forma de combater essa distorção não é negar a realidade, acreditando que será possível manter gestores “puros”, como Maria Sílvia ou Parente, imunes às pressões. Isso simplesmente não é viável. Na prática, os grupos organizados manifestarão seu poder e demonstrarão que a tal blindagem não passava de ilusão.
Foi exatamente o que aconteceu com a greve dos caminhoneiros, cujo resultado será bem pior para o país do que teria sido, desde o início, a adoção de uma política de preços menos “pura”, mais sensível à realidade enfrentada pelo setor de transportes.
A retomada dos subsídios aos combustíveis conta hoje com apoio de boa parte da população. É a senha para a classe política, num ano em que está em busca de voto, adotar algum tipo de política demagógica, cujo custo deverá ser arcado por áreas essencias, como saúde, educação, segurança ou infra-estrutura.
Nada disso aconteceria se a Petrobras contasse com um gestor que, além da competência técnica, tivesse maior capacidade de articulação política – recurso de que Parente já dispôs no passado, mas parece ter perdido nalgum momento de sua carreira de executivo.
Quando os princípios do mercado – produtividade, eficiência, crescimento – entram em choque com a realidade da democracia, só vencem se souberem tourear os grupos de pressão descritos por Olson. Do contrário, a reação contrária põe tudo a perder.
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As condições para que isso seja possível são duas. Primeiro, abandonar a mitologia do “executivo profissional” e, sem deixar de lado a competência técnica, entender a necessidade de conciliá-la a habilidades políticas em determinados cargos.
Mas apenas isso não garante o êxito. Parente detinha, em tese, ambas as qualificações. É preciso também que o ambiente político seja favorável às mudanças necessárias. A descrença da política entre a população é nociva justamente porque não há saída para as demandas fora da política. Só a política legitima os arranjos sociais que regulam conflitos distributivos.
O Brasil de hoje é tudo menos um ambiente político favorável. No front externo, a economia atravessa uma nova era de protecionismo que dificulta todo planejamento. No interno, falta ao governo Temer credibilidade para garantir qualquer arranjo – a não ser, talvez, aqueles destinados a salvar a própria pele das garras da Justiça.
Fonte: “G1”, 04/06/2018