Um empresário carioca decidiu abrir um restaurante na Zona Sul do Rio para lucrar com a Copa do Mundo. O investimento programado chegou a R$ 7,5 milhões. O plano original era inaugurar a casa em fevereiro. Mas a expectativa esbarrou no grande volume de licenças exigidas que ele nem poderia imaginar. Os pedidos se arrastam há mais de 15 meses, envolvendo etapas como aprovação da planta na prefeitura, autorização para o início das obras e deliberações de diferentes órgãos sobre diversos temas. Agora, na melhor das hipóteses, vai conseguir abrir o estabelecimento a tempo de pegar os dois últimos jogos do Mundial da Rússia, em julho.
O périplo desse empresário, que prefere não se identificar, é conhecido por especialistas que alertam para o peso da burocracia na economia. Segundo a consultoria Sage, as pequenas e médias empresas no Brasil devem acumular este ano um prejuízo de R$ 80 bilhões com tarefas administrativas e burocráticas.
Alexandre Wyllie, diretor do segmento de pequenas e médias empresas da Sage Brasil, estima que negócios de menor porte gastam no mundo 120 dias, em média, com tarefas administrativas. Isso representa cerca de 5% do tempo total de sua mão de obra. No Brasil, essa proporção é de 6,5%.
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– Desses R$ 80 bilhões previstos para esse ano, já foram gastos R$ 30 bilhões entre janeiro e abril. Esse valor é quatro vezes maior que no Canadá por exemplo. Essas perdas incluem todas as funções burocráticas. Licenças, por exemplo, formam um processo complexo. São registros de contratos, uma sequência de papéis como documentos e certificações – diz Wyllie.
Segundo a A+ Arquitetura, uma obra comercial tem de atender, em média, 20 normas previstas em leis ou decretos. Manuel Fiaschi, sócio da empresa e professor de Arquitetura e Urbanismo da PUC-Rio, observa que só o Código de Obras do Rio tem duas mil páginas. O licenciamento de uma obra leva, em média, um ano, prazo que pode ser maior dependendo da localização do empreendimento. Isso porque cada bairro carioca tem suas próprias regras complementares, como exigências relacionadas à preservação de patrimônio histórico e meio ambiente.
– No Corpo de Bombeiros, por exemplo, cujos alvarás são importantes e obrigatórios, o corpo técnico é reduzido – diz Fiaschi. – As empresas têm um tempo cronometrado. Quando um projeto atrasa, é receita que se perde.
Segundo Wyllie, os números devem piorar ao longo deste ano. Isso porque, diz, a partir de julho, o eSocial dá início a segunda etapa de implantação do programa. Nesta fase, serão incluídos os micro e pequenas empresas, além dos micro empreendedores individuais (MEIs).
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– O processo de incorporação ao programa também se dará de forma escalonada, fazendo com que os empreendedores dediquem mais esforços para se adequarem ao novo sistema. Mais do que desperdício de tempo e de gente, a atual complexidade representa um custo adicional para as empresas, que inevitavelmente reduz a competitividade do Brasil. As empresas no Brasil ainda estão na fase do papel.
O empresário que não conseguiu abrir o restaurante até agora lembra que, depois de fazer alterações na planta pedidas pela prefeitura, foi avisado que o Iphan também teria que aprovar o projeto, assim como Corpo de Bombeiros. Foi obrigado a contratar mais profissionais e gastar mais tempo com a burocracia.
– Quando decidi abrir o restaurante me falaram que todo esse processo de autorizações de planta e Iphan levava sete meses. No meu caso, já dura 15 meses. O problema é que, para não perder o calendário, decidi fazer as obras em paralelo às autorizações. Se não fosse assim, não sei nem quando o restaurante seria aberto. Há exigência para o número de vagas de carro e até a altura do prédio. Mas você olha para o lado e cada casa tem um gabarito diferente. Em cada órgão o processo diferente — relatou o empresário, acrescentando que toda essa demora vem acompanhada ainda da autenticação de documentos em cartório.
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Todo esse percalço se reflete em perdas
Como forma de tentar reduzir esse cenário burocrático, está em discussão na Câmara dos Vereadores do Rio uma proposta para reduzir o tempo das aprovações para até dois meses. A mudança começa com a atualização do Código de Obras, que cairá das duas mil páginas atuais para apenas 15.
— Em vez de cada bairro ter sua legislação e leis complementares haverá uma lei única. Isso começou porque nos anos 1970, ao aplicar a lei, começou a se perceber que era importante cada bairro ser seu projeto de estruturação urbana. Agora, esse projeto é unificar tudo e facilitar esse processo — diz o professor Manuel Fiaschi.
Fonte: “O Globo”