No início dos anos 1990, visitei o equivalente chileno do nosso Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio. Naquela época o Chile tinha uma tarifa externa uniforme, de 7%. Me intrigou como eles lidavam com a demanda de maior proteção pelos grupos de produtores nacionais e a resposta não poderia ser mais direta: “Simples, eu explico que a tarifa é a mesma para todos os produtos e que por isso não é possível abrir exceções”.
Nada mais diferente disso que o Brasil. Por aqui, cada produto tem uma tarifa de importação diferente, além de regras diferenciadas de proteção não tarifárias, conteúdo local, alíquotas variadas de tributos, subsídios creditícios etc. Não por outra razão, nosso código tributário é tão complexo. E as regras variam no tempo, dependendo do tamanho da pressão que cada grupo faz junto ao governo e o Congresso.
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Assim, a demanda dos transportadores rodoviários de carga por regras favoráveis ao setor não é uma novidade, mas a regra no meio empresarial brasileiro. O que há de diferente é o tamanho da pressão e quão aberta ela tem sido. Em geral, outros segmentos empresariais ameaçam demitir ou deixar o país caso as autoridades recusem os favores que demandam.
Também não surpreende que o governo tenha repetido, neste caso, os mesmos erros que em geral incorre ao dar concessões aos grupos que o pressionam. Chamaria a atenção para três deles.
O primeiro é errar o diagnóstico e, portanto, a terapêutica. A alta do diesel, por conta do aumento simultâneo do preço do petróleo e da taxa de câmbio, certamente pressionou os custos e dificultou a vida dos transportadores rodoviários. Porém, a raiz do problema é a demanda por seus serviços estar muito abaixo da sua capacidade de oferta, devido à recessão de 2014-16. Os transportadores gostariam de transportar mais carga e a um frete mais alto. Mas, com a economia operando bem abaixo do seu potencial, isso não é possível. É o mesmo problema dos 27,7 milhões de trabalhadores brasileiros que estão desocupados ou subocupados.
Baixar o preço do diesel vai resolver o problema dos transportadores? Não acredito. Com a demanda reprimida e a multiplicidade de transportadores, a tendência é que a competição derrube o frete até refletir o desconto. Os caminhoneiros autônomos, em especial, terão dificuldade de resistir a esse processo, haja ou não piso legal para o frete.
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O segundo problema é a ineficiência da política adotada. O governo não baixou o preço do diesel só para os caminhoneiros, mas para todo mundo, aí incluídas as empresas de transporte, as empresas industriais com frota própria, as máquinas agrícolas, o transporte de passageiros, lanchas de corrida, carros de luxo etc. Ou seja, vai gastar muito mais do que o necessário para fazer a política que quer fazer.
O terceiro é desconsiderar outras consequências das políticas adotadas. A queda do preço do diesel vai aumentar a poluição. O desenrolar da crise vai estimular outros grupos a também reivindicar benefícios, tumultuando adicionalmente a economia. A interferência na Petrobras elevou o risco de empreender no Brasil, desvalorizando empresas e dificultando a gestão da política econômica. Outros impostos terão de ser elevados, para compensar as isenções do diesel, reduzindo a eficiência da economia. No todo, teremos uma economia crescendo menos do que se esperava há um par de semanas. E, ironicamente, gerando uma recuperação ainda mais lenta da demanda por frete rodoviário!
Os mesmos erros se repetem em outras políticas de apoio a setores empresariais. Elas são justificadas por as empresas não serem competitivas, por motivos próprios ou ligados ao ambiente de negócios, mas as políticas não focam em elevar a produtividade, e sim em permitir que as empresas sobrevivam sem serem produtivas. Além disso, custam muito mais do que seria necessário, por falta de focalização. Por fim, geram inúmeras distorções em outros setores, como elevar o custo de insumos básicos e bens de investimento, que comprometem ainda mais a produtividade da economia.
Basta ver que no Brasil o governo gasta 4,5% do PIB com políticas de apoio às empresas, sem nenhum impacto sobre sua produtividade. Isso ajuda a explicar por que o brasileiro paga tanto tributo, mas recebe serviços públicos ruins: pois o dinheiro é mal gasto, sendo utilizado em políticas erradas e sem foco. Infelizmente, a crise dos caminhões mostra que ainda não aprendemos as lições que contam.
Fonte: “Site Armando Castelar”, 30/05/2018