Para onde vai o dólar? Economistas não têm bons instrumentos para responder a essa pergunta. Trata-se de um preço de ativo influenciado por muitas variáveis.
O pouco que sabemos é que o diferencial de crescimento entre os países contribui de forma relevante para explicar a direção das moedas. País que cresce mais ou que tem maior expectativa de crescimento tem moeda mais valorizada, e vice-versa.
Entre 2014 e 2016, por exemplo, a economia norte-americana exibia robustez crescente, enquanto se discutia o risco de rápida desaceleração na China, impactando o cenário econômico de seus parceiros comerciais. Resultado: o dólar apresentou expressiva valorização, de 25% em relação a uma ampla cesta de moedas calculada pelo Fed.
O fato de os EUA serem mais fechados ao comércio mundial também impacta o comportamento de sua moeda. Nos últimos meses, o comércio mundial perdeu fôlego, possivelmente por conta da desaceleração de investimentos tradicionais na China. Europa, Japão e emergentes sofrem. O resultado é a valorização recente do dólar no mundo.
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O real, por consequência, se enfraqueceu. Em linha, porém, com o sugerido pelo quadro externo e levando em conta sua elevada volatilidade histórica. Pelos nossos modelos econométricos, o peso do ambiente interno, de incertezas e de baixo crescimento, seria marginal. Seu papel estaria mais em eliminar a sobrevalorização do real ocorrida desde o início do processo de impeachment, do que em gerar um enfraquecimento adicional da moeda em relação ao sugerido pelo ciclo da moeda americana.
Apesar de o nervosismo do mercado lembrar aquele de 2002, o quadro agora é bem diferente. Naquele ano, havia razões para correção forte da moeda, pois o real estava excessivamente sobrevalorizado quando comparado à cesta de moedas. Como consequência, o déficit nas contas externas (transações correntes) estava elevado, em 4,2% do PIB. Muitos analistas apontavam como um fator potencial de pressão cambial.
Não se sabia a velocidade de ajuste. O ambiente eleitoral ruidoso de 2002 forçou uma rápida correção.
Agora, o real não parece sobrevalorizado e o déficit em transações correntes está em apenas 0,4% do PIB.
Além disso, houve melhora do perfil da dívida pública. Ao final de 2001, a parcela da dívida indexada direta ou indiretamente à taxa de câmbio chegou a 35% do total. Gerava-se uma dinâmica perversa: dólar em alta pressionava a dívida pública, que retroalimentava a pressão cambial por conta do maior risco fiscal. Em abril último, essa participação estava em apenas 5,7%. Hoje as reservas internacionais estão em US$ 382 bilhões, ante míseros US$ 35,9 bilhões em 2001. O Brasil tornou-se credor líquido em dólar: dívida externa líquida está em -3,9% do PIB; era +29,4% do PIB em 2001. Assim sendo, a alta do dólar faz a dívida pública líquida cair, e não subir de forma acelerada como no passado.
Difícil afirmar se o movimento recente de valorização do dólar no mundo bateu no teto. Considerando o desempenho histórico, parece menos provável uma correção expressiva como aquela de 2014-16. Nem o dólar está desvalorizado em relação à sua média histórica, nem o mundo está tão mal.
Ficam algumas lições para o próximo governo. O câmbio é flutuante – um regime cambial que se mostrou superior ao de câmbio administrado do passado – e a dinâmica da moeda é em boa medida determinada pelo ciclo da moeda americana. O máximo a ser feito é conter a volatilidade. Controlar o câmbio não deveria fazer parte da agenda econômica dos presidenciáveis.
A tarefa do próximo presidente é avançar em reformas que melhorem os fundamentos do País, para que o real seja menos volátil, de forma a reduzir as incertezas do ambiente econômico e penalizar menos o setor produtivo. E o desafio aumentou por conta da crise fiscal.
O imprevisível comportamento da taxa de câmbio não deveria apenas aumentar a humildade de economistas, mas de governantes também.
Fonte: “Estadão”, 21/06/2018