Depois de três meses e algumas empresas e sonhos que ficaram pelo caminho, o crédito parece começar a chegar para os pequenos empresários, mas os recursos já estão acabando nos bancos. Em pouco menos de um mês, o Programa de Apoio às Empresas de Porte Pequeno (Pronampe) praticamente emprestou toda a garantia de R$ 15,9 bilhões prevista inicialmente.
Duas características do programa, que foi criado pelo Senado ao perceber que faltavam ações do governo para o setor, encorajaram os principais atores a participarem.
Os bancos ficaram mais seguros com a possibilidade de garantia de até 100% da operação pelo Tesouro. E os empresários foram atraídos pela taxa de juros de 1,25% ao ano mais a Selic (atualmente em 2,25%). Para efeito de comparação, em maio a taxa média de juros com recursos livres para empresas ficou em 14,2% ao ano. Outros atrativos são o prazo de 36 meses e a carência de oito meses para pagar.
Dos cinco grandes bancos, apenas Caixa, Banco do Brasil e Itaú começaram a conceder os recursos. O Bradesco deve começar a operar no fim deste mês, e o Santander, em agosto.
O presidente da Confederação Nacional das Micro e Pequenas Empresas e Empreendedores Individuais (Conampe), Ercílio Santinoni, vê os recursos chegando para as empresas menores, mas diz que ainda há problemas.
— Uma grande parte das micro e pequenas empresas está tendo acesso ao crédito pelo Pronampe. O problema é que o banco pega R$ 2 bilhões e, em um ou dois dias, acaba o dinheiro.
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O empresário Rômulo Torres Pereira, dono do bar Imortais, em Copacabana, teve problemas para acessar o crédito. Ele recebeu a carta de pré-aprovação da Receita Federal dando sinal verde para pegar o empréstimo, mas o banco recusou sua solicitação.
— O gerente disse que não sabia explicar por que o dinheiro não seria liberado. Tentei pelo site do Pronampe e dava erro toda hora. No dia útil seguinte, acordei às 4h e somente às 8h consegui acessar. A mensagem no site, porém, dizia que eu estava inelegível, mesmo com a carta. Agora, voltamos com aluguel integral, abrimos a porta e não temos caixa — lamenta.
Mais dinheiro
Com essa questão em vista, o Senado aprovou na última semana um projeto que redireciona R$ 12 bilhões do programa de financiamento de salários para o Pronampe. O texto deve ser votado hoje na Câmara. Também na semana passada, o Banco Central (BC) anunciou nova linha, com potencial de até R$ 120 bilhões, para empresas que faturam até R$ 300 milhões. Mas ainda faltam os detalhes operacionais.
Desde abril, o financiamento de folha de pagamento concedeu apenas R$ 4,5 bilhões dos R$ 40 bilhões que estavam disponíveis. A linha tem problemas, como ser estritamente para o pagamento de salários, quando pequenos empresários têm outros gastos, como aluguel e matéria-prima.
Segundo o presidente do Sebrae, Carlos Melles, os quase R$ 16 bilhões liberados simplesmente acabaram. Ele defende o incentivo às microempresas para acelerar a retomada econômica do país:
— O Pronampe é a linha de crédito mais aperfeiçoada dessa pandemia, mas não foi o suficiente. Neste novo projeto, há como botar mais R$ 16 bilhões. O governo tem dois fundos robustos, o FGO (Fundo de Garantia de Operações) e o FGI (Fundo Garantidor para Investimentos).
Santinoni, da Conampe, lamenta a demora do governo em criar uma linha que atendesse às necessidades do setor:
— Infelizmente demorou. Muita gente fechou porque começou a ver que não conseguiria crédito. Não tinha como manter empregados, não tinha como manter aluguel, se desesperaram e fecharam.
O IBGE informou, na última quinta-feira, que mais de 700 mil empresas fecharam definitivamente na pandemia — 99,8% delas eram de pequeno porte.
Welson Senna, dono da panificadora Panecito, em Belo Horizonte, não fechou durante a crise, mas viu o faturamento cair 48% e teve que demitir quase 20 funcionários. Ele ainda não conseguiu o crédito no Pronampe.
— Minha meta é estar vivo, estar com a porta aberta. Não estou com esperança para nada além disso. E está difícil segurar ela aberta, muito difícil.
A história de Luiz Carlos Rosin foi diferente. Empresário do ramo de confecção em Brusque, Santa Catarina, ele conseguiu o crédito do Pronampe rapidamente. O banco o avisou da chegada do crédito em um dia, e ele assinou o contrato no outro.
— Foi muito rápido, só que falaram que a gente precisava tomar a decisão logo, porque tinha pouco dinheiro e não iam conseguir atender todo mundo.
O Itaú foi o primeiro e, até agora, único banco privado a conceder crédito dentro do programa. Emprestou os R$ 3,7 bilhões que estavam disponíveis em apenas 24 horas para 37 mil empresas.
André Daré, diretor do Itaú Unibanco, explica que a instituição decidiu entrar cedo no Pronampe para apoiar os próprios clientes:
—Houve uma demanda grande, os empresários estavam aguardando ansiosamente pela linha.
O professor do Insper Sérgio Lazzarini lembra que mecanismos como o Pronampe já são usados internacionalmente:
— Não precisa ser uma ajuda necessariamente estatal, o governo pode garantir parte do crédito, e os pagamentos são feitos pelo setor privado. Só que o setor privado tem que estar acostumado com esse mecanismo e ele não estava, por isso a Caixa tomou a dianteira e todo mundo seguiu.
Sem dinheiro na Caixa e BB
A Caixa já consumiu seu limite de R$ 5,9 bilhões em linhas do Pronampe, assim como o Banco do Brasil, que já concedeu R$ 5 bilhões. A demanda foi grande, contou o vice-presidente de Negócios de Varejo do Banco do Brasil, Carlos Motta:
— Sabemos que muitos dos nossos clientes só precisam de um apoio neste momento para superar o pior momento da crise e poder retomar suas atividades.
Mas esse não foi o caso de Max Monjardim, um dos sócios do restaurante Rincón Ibérico, em Brasília, que teve uma experiência negativa na Caixa.
— Eles estão ali para não liberar o dinheiro, porque pedir o certificado ambiental de um restaurante não tem outro nome — criticou.
O financiamento, explica Monjardim, é necessário até para voltar a reabrir o restaurante. Falta fluxo de caixa para comprar os alimentos e para contratar funcionários. A empresa tem se mantido viva porque se adaptou ao delivery.
— Se não conseguir esse dinheiro, vou fechar. E eu não vou nem vender, quem vai comprar um restaurante no meio de uma pandemia?
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Que empresas podem acessar a linha de crédito?
Microempreendedores individuais (MEI), microempresas (com faturamento anual de até R$ 360 mil) e empresas de pequeno porte (faturamento anual de até R$ 4,8 milhões) podem pedir o financiamento.
Quais as condições da linha?
A taxa de juros é de 1,25% ao ano mais a Selic, hoje em 2,25%. O financiamento tem prazo de pagamento de 36 meses e carência de 8 meses. Se pegar o empréstimo em julho, o primeiro pagamento será em março de 2020.
Quem tomar o crédito não poderá demitir por dois meses, contados após a data de contratação do empréstimo.
Que instituições já estão operando?
Dos cinco grandes bancos, Caixa, Banco do Brasil e Itaú já estão concedendo. Santander deve começar em agosto e o Bradesco até o final de julho. O Sistema de Crédito Cooperativo (Sicredi), o Banco Cooperativo do Brasil (Bancoob), o Banco da Amazônia, o Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG) e o Banrisul também já oferecem o Pronampe.
Qual será o limite da cada operação?
O limite será de 30% do faturamento em 2019. Para empresas criadas há menos de um ano, o valor poderá ser de 50% do capital social ou de 30% da média de faturamento mensal, o que for mais vantajoso.
Como funciona a garantia?
O Tesouro Nacional já transferiu R$ 15,9 bilhões para o Fundo Garantidor de Operações (FGO), administrado pelo Banco do Brasil. Esse dinheiro servirá como garantia para até 100% das operações, desde que todos os empréstimos feitos pela instituição não tenham uma taxa de inadimplência maior que 85%.
O Congresso está debatendo aumentar essa garantia em R$ 12 bilhões. O projeto foi aprovado no Senado nesta semana e deve ser votado na Câmara nesta segunda-feira.
Fonte: “O Globo”