Estaria mentindo se afirmasse que não gosto de “fulanizar” o debate. É óbvio que aprecio, por mais que às vezes possa parecer que o objeto das críticas é a pessoa, não suas ideias. Deixo claro, porém, que –embora algumas pessoas sejam particularmente destrutivas– ideias ruins são muito mais deletérias do que aqueles que as adotam.
Isto dito, as ideias expressas por Nelson Barbosa, até há pouco secretário-executivo do Ministério da Fazenda, em entrevista ao jornal “O Estado de S. Paulo” no fim de semana são particularmente ruins, no caso agravadas porque Barbosa é tido como candidato à sucessão de Guido Mantega num possível segundo mandato da presidente.
Como já destacado neste espaço, a dúvida central acerca dos rumos de política econômica no Brasil diz respeito à posição que seria adotada em caso de reeleição: o governo promoveria os necessários ajustes, em particular do lado do gasto público, ou “dobraria a aposta”, mantendo a política fiscal expansionista que tem sido sua marca registrada nos últimos anos?
Quem lê, porém, a entrevista de Barbosa não deve ter nenhuma dúvida: é a posição de quem pretende “dobrar a aposta”. Depois de defender a elevação das transferências de renda de 6,5% para 10% do PIB, sua proposta é ir além e aumentar gastos com saúde, educação, transporte urbano, saneamento, habitação e inclusão digital.
Todos os objetivos são meritórios: quem, exceto pessoas extremamente mesquinhas, poderia ser contra a lista de Barbosa? Para ser sincero, estranhei a ausência de menções à segurança pública, à cultura, à preservação ambiental, a programas esportivos (há uma Olimpíada em 2016!) e também –por que não?– ao reaparelhamento das Forças Armadas. E não tenho a menor dúvida de que qualquer um dos 18 fiéis poderia acrescentar mais alguns itens.
Isso significa que as chances de um ajuste fiscal em 2015 (ou 2016, 2017, etc.) são mínimas, para colocar a coisa de uma forma delicada. Pelo contrário, a proposta implica nova expansão fiscal e, independentemente de quanto Barbosa (re)negue, não há alternativa que não passe pelo aumento de tributos para financiar os gastos adicionais.
Os limites, contudo, desse modelo de gasto e tributos crescentes estão mais que demonstrados pela evidência, inclusive nossa experiência recente.
Conforme tenho dito, o país conseguiu crescer mais rápido enquanto teve folga de capacidade e emprego, mas, quando a ociosidade se reduziu, a necessidade de elevar o investimento esbarrou no gasto público.
O governo brasileiro, em seus três níveis, consome cerca de 20% do PIB, bem mais que seus congêneres, não só na América Latina mas no conjunto emergente em geral. Já a qualidade dos seus serviços é universalmente reconhecida (como lamentável, claro). As contrapartidas de gasto alto e ruim são poupança baixa (portanto pouco investimento) e produtividade idem.
Agravando o problema, a complexidade da tributação que financia esses gastos requer que uma empresa brasileira típica, segundo o Banco Mundial, use 2.600 homens-hora/ano para a tarefa de pagar impostos, ante uma média de 370 horas/ano na América Latina (e 175 horas/ano na OCDE), ou seja, recursos que poderiam ser utilizados em atividades produtivas acabam destinados a um serviço que não adiciona valor nenhum.
São essas condições que estão por trás do baixo crescimento do país. Sem uma agenda de limitar os gastos públicos e aumentar sua produtividade, o projeto traz mais do mesmo: expansão medíocre, inflação pressionada e desequilíbrios crescentes nas contas externas.
A verdade é que todo gasto público, inclusive aqueles com fins mais nobres, tem que caber dentro do produto. Estamos ignorando esse fato há tempos e os resultados vêm batendo à nossa porta. A agenda de ampliação de gastos pode apelar a nossos melhores instintos, mas, sem controle e sem avaliação de sua eficácia, hão apenas de reforçar nossa mediocridade.
Fonte: Folha de S. Paulo, 19/02/2014
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