Nos últimos dias, tenho a impressão de que estão enlouquecendo nas altas esferas do poder e talvez não possamos fazer muito a respeito. No Brasil, o Congresso aprovou um pacote de benesses de mais R$ 100 bilhões. Considerando a crise, isso representa grandes problemas em 2019: falta de recursos, atraso em pagamentos, quebradeira. E os candidatos à Presidência não protestaram. Protestar contra a farra de gastos tira votos. E eles dividem o tempo com precisão: uma coisa é o período eleitoral, outra, o mandato. Não percebem que, ao se calarem agora, perdem a possibilidade de resistir lá na frente. Isso pode significar não só crise política séria, mas até impeachment.
De qualquer forma, o futuro imediato do Brasil está comprometido por essas aventuras irresponsáveis. Há pouco o que fazer, exceto votar bem, mas ainda assim por mais que se acerte aqui e ali, o conjunto do Congresso será assustador. A pesada máquina do atraso continuará esmagando as chances de crescimento sustentável, renovação política e recuperação da confiança. Lá fora, a loucura ainda é maior. O presidente dos EUA critica duramente os aliados europeus e vai se prostrar aos pés de um líder autoritário russo. A manobra de Trump, assim como a dos deputados brasileiros, é uma ação disruptiva. Não usaria o termo subversiva, pois ele implica alteração da ordem. O que está acontecendo é apenas algo destinado a bagunçar, criar as bases instáveis para a chegada do caos.
Os parlamentares brasileiros querem apenas alguns votos para garantir sua permanência no poder. Eles já articularam uma reforma que lhes garante o dinheiro público para disputar as eleições. Insatisfeitos, cavam o próximo abismo sabendo que dinheiro não lhes faltará. Em último caso, há sempre o aumento de impostos. O problema é que a sociedade brasileira parece aceitar. A suposição de que o Estado pode gastar ilimitadamente ainda é fato na cabeça de muitos, mesmo na dos que não são diretamente interessados em conquistas corporativas.
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O que torna a questão mais angustiante, ainda: a loucura dos dirigentes não é apenas um descaminho lógico em suas cabeças, mas algo que tem base na própria tolerância social. Da mesma forma, o que acontece na conjuntura mundial não revela apenas um desvario individual. Dizem que os russos têm documentos que comprometem Trump, daí sua subserviência em Helsinque. Creio que a interpretação mais correta passa pelo fascínio de Trump por governos autoritários. Ao mesmo tempo, ele representa a democracia mais poderosa do mundo.
Muitas coisas estão mudando. Rejeitar os laços culturais e políticos com uma Europa que sempre foi referência parece-me tão iconoclástico para o Ocidente como os talibãs destruindo estátuas budistas. É assim que o mundo caminha. Salvaguardas existem no Brasil e nos EUA. É sempre possível atenuar o estrago. Mas é preciso muita água para apagar um incêndio que vem de cima. Quando deputados decidem quebrar o país e Trump coloca-se ao lado da Rússia contra aliados e o próprio serviço de Inteligência americano, entramos num espaço mais difícil do que o de combate à corrupção e à incompetência.
Não basta supor que estejam enlouquecendo. É preciso entender como as sociedades não só convivem como, de certa forma, sustentam essa loucura. Não se trata de realizar um esforço idealista para afirmar que exista uma razão inequívoca e que ela triunfará sobre os desvarios do poder. Tudo que nos resta é trocar de ilusão na tentativa de nos aproximarmos mais da realidade. A ideia de que é possível gastar sem limites, no entanto, parece-me um componente de tragédia. Hegel dizia que na tragédia há um conflito entre o certo e o certo. Muitas vezes, no entanto, ela é apenas o resultado da imprudência humana.
Fonte: “O Globo”, 21/07/2018