As últimas semanas têm sido bem intensas. Vários são os acontecimentos, divulgação de dados econômicos, complicadas negociações no Congresso, tornando pouco visível, neste momento, o que deve acontecer com o país no futuro. No chamado “núcleo duro” do governo, na área econômica, o esforço atual é tentar desanuviar o ambiente e tornar o horizonte de planejamento mais previsível. Não tem sido uma tarefa trivial.
São duas pontas atuando. Uma, pelo lado da política monetária, o BACEN, no balizamento da taxa de juros, tentando trazer a meta de inflação para o centro no médio prazo; outra, pela política fiscal, a Fazenda tentando construir um regime fiscal crível e mais ajustado no curto prazo. O ideal, em verdade, seria “refundar” um regime fiscal mais sustentável no longo prazo, colocar as reformas estruturais na pauta, realizar uma profunda transformação do Estado, acabar com os excessos, 38 ministérios, 20 mil cargos de confiança, aparelhamento da máquina pública, etc.
Estas transformações, no entanto, por enquanto, não encontram eco, dada a complicada costura política para aprovar cada medida, cada MP, cada PL. Na semana passada, mais bombas de efeito retardado acabaram armadas pelo Congresso para o governo desarmar. Tivemos a aprovação da correção do salário mínimo extensiva a todos os segmentos de aposentados e beneficiários, o que geraria um impacto de R$ 4,6 bilhões neste ano, caso esta decisão já estivesse em curso, e o PL das desonerações de folha de pagamentos avançaram, mas com alguns remendos, com as demandas do PMDB pela isenção de alguns setores. Somam-se a isto, as MP 664 e 665, já aprovadas, mas tendo gerando uma economia menor do que o esperado, em torno de R$ 14,5 bilhões, quando o planejado era R$ 18 bilhões.
[su_quote]Esta pouca sustentação política torna cada vez mais complicado qualquer ajuste fiscal[/su_quote]
Tudo isto posto, o que temos aqui é um ajuste possível dentro das circunstâncias, complicadas politicamente. Como a presidente Dilma se encontra na bacia das almas em termos de credibilidade e popularidade, a pressão política se torna maior. Em pesquisa recente, a Datafolha a colocou como um “pato manco” no cenário político nacional, com 65% avaliando-a como péssima e ruim e apenas 9% como favorável, algo só comparável a Collor de Mello antes do impeachment. Para piorar, a cada dia que passa, mais o PMDB fortalece o lançamento de um candidato próprio já pensando em 2018. Ou seja, Dilma já sofre os desgastes, normais num segundo mandato, mas só em seis meses de governo.
Esta pouca sustentação política torna cada vez mais complicado qualquer ajuste fiscal, até porque em paralelo a isto temos uma economia em recessão, a inflação retornando com força, o juro elevado e o desemprego em alta. Ou seja, aprovar qualquer ajuste com a economia indo mal, sendo que as medidas necessárias tornam o mergulho recessivo ainda mais profundo, não é nada fácil.
Neste cenário, pelo lado das contas públicas, a situação não está sob controle. Pelo lado do Tesouro, as despesas obrigatórias seguem em forte alta, em contrapartida a um movimento fraco das receitas totais. Isto decorre de uma economia em recessão e sem perspectivas de reversão, pelo menos até o final do ano. Estimativas indicam o PIB recuando de 1% a 1,5% neste segundo trimestre, 0,5% a 1,0% no terceiro e 0,5% no último. Uma retomada, quando ocorrer, só no transcorrer de 2016.
Sobre o desempenho fiscal, em maio, contra o mesmo mês de 2014, as despesas com benefícios previdenciários subiram 4,7%, com benefícios assistenciais em 2,8% e as com seguro desemprego e abono salarial em 49,8%. Em contrapartida, as despesas com pessoal recuaram 0,7% e a receita total -0,5%. Neste desempenho, o corte real dos investimentos chegou a 37,2% e as despesas com custeio a 1,9% (ou seja, na manutenção da máquina pública). Decorrente disto, o resultado de maio do governo central veio negativo em R$ 8,0 bilhões, segundo pior da série histórica.
[su_quote]Neste cenário, pelo lado das contas públicas, a situação não está sob controle[/su_quote]
No ano, até maio, o superávit do Tesouro é de apenas R$ 6,6 bilhões, 67% menor do que o registrado no mesmo período de 2014, em muito decorrente da fraca arrecadação federal, recuando 4% no ano, gerada pela economia em queda livre. Para os meses restantes no ano, o governo central terá que obter um saldo de R$ 48,6 bilhões para que a meta seja possível em 2015. Para isto, o resultado mensal, na média, terá que ser sete vezes maior do que o obtido nos cinco primeiros meses deste ano.
O governo conta com algumas receitas extraordinárias, como as aberturas de capital de estatais como a Cia de Seguros da CEF e IRB, além de conjecturas sobre o aumento da taxação sobre heranças e doações, a renegociação das dívidas em Refis e a elevação de alíquotas em setores variados da economia.
Neste contexto, são crescentes os boatos sobre a revisão da meta fiscal para este ano, pouco provável em 1,1% do PIB, mas devendo ficar entre 0,6% e 0,8% do PIB. Para o ano que vem, as estimativas são de 1,5% do PIB e em 2017 em torno de 2%.
Importante salientar, embora negado pelo governo, que esta revisão do desempenho fiscal pode abrir caminho para um possível downgrade nas próximas semanas, já que estará no Brasil a Moody’s, agência considerada a mais conservadora entre a tríade que analisa a economia brasileira. Outra agência a rebaixar seria a Firtch, outra ainda faltante a rebaixar o país, visto que a Standard and Poor’s já o fez em meados de 2013 e a Moody’s está próxima disto.
Isto pode até ser positivo, por ser um elemento de pressão ao Congresso para ser mais célere nas avaliações e aprovação das medidas fiscais necessárias. Além disto, as agências poderiam entender este ajuste da meta fiscal como uma sinalização para melhorias futuras.
Enfim, olhando em retrospectiva sobre o que aconteceu neste primeiro semestre do ano, é difícil vislumbrar um processo de lenta recuperação das expectativas e de retorno da confiança. Não deve ser agora, nem no transcorrer dos próximos meses, mas talvez ao longo de 2016, desde que o ajuste logre êxito e as ações políticas deste governo sejam mais articuladas. Não dá para a equipe econômica, quixotescamente, continuar a tentar criar uma ponte para o longo prazo e outros membros do governo irem em direção contrária.
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