O Instituto Millenium e a Vale trouxeram ao Brasil o autor do livro “Salvando o capitalismo dos capitalistas”. Economista e professor da Universidade de Chicago, Luigi Zingales concedeu entrevista à revista Época. Para Zingales, é preciso resistir às pressões das grandes empresas para ampliar o protecionismo e reduzir a competição. Leia a entrevista.
Por José Fucs
Em um momento que o protecionismo parece ganhar força no Brasil, com a imposição de restrições às importações e a concessão de bilhões em crédito subsidiado às grandes empresas, as ideias do economista italiano Luigi Zingales, professor da Universidade de Chicago, soam quase subversivas. Autor do livro Salvando o capitalismo dos capitalistas(Editora Campus, 393 páginas, R$ 109), Zingales diz que a redução da concorrência beneficia apenas um pequeno grupo de empresas, em prejuízo da maioria da população. “A concorrência é uma das grandes forças a serviço da humanidade”, afirmou em entrevista a ÉPOCA, na semana passada, antes de desembarcar no país para uma série de palestras. Segundo ele, parece menos provável hoje que o Brasil consiga resistir às pressões protecionistas dos grandes grupos econômicos. “Estou menos otimista hoje de que a China e o Brasil sejam verdadeiramente competitivos e de que não serão capturados por pequenos grupos de interesse dentro de suas próprias fronteiras.”
Época – Antes da crise, o senhor defendia a ideia de que o sistema de livre mercado é o melhor para tirar as pessoas da pobreza. O senhor ainda pensa assim hoje?
Luigi Zingales – Sem dúvida. Não acredito que a crise tenha minado as bases do livre mercado. A crise não representa uma evidência de que o livre mercado não funciona, mas de que havia uma regulação inadequada e de que alguns grupos, em especial os bancos e outras instituições financeiras, tinham uma influência política exagerada. Livre mercado não significa que os mercados não devem ser regulados. Eles precisam ser protegidos da influência negativa das grandes empresas e dos grandes bancos.
Época – A crise afetou muito a imagem do sistema de livre mercado. Que efeito isso poderá ter no médio e no longo prazo?
Zingales – Acho isso muito perigoso, porque, para o sistema de livre mercado prosperar em uma democracia, você precisa de um amplo apoio. Quando esse apoio diminui ou até desaparece, é complicado. Acaba estimulando um movimento de pressão para a redução seletiva da concorrência, para benefício de uns poucos, em detrimento da maioria.
Época – De forma geral, parece ter crescido a percepção de que o sistema de livre mercado leva ao aumento das diferenças entre os mais ricos e os mais pobres. O que o senhor acha disso?
Zingales – Esse é um problema sério, no qual devemos prestar atenção. É possível que, com a tecnologia disponível hoje em dia e a globalização, a ideia de que o livre mercado aumenta as diferenças ganhe corpo rapidamente. Mas eu acredito que, em vez de promover uma política maciça de distribuição de renda a posteriori, que cristalizará as diferenças, o que precisamos fazer é trabalhar duro para oferecer oportunidades iguais para todos. O que é necessário em um mercado competitivo é ter uma espécie de nivelamento geral no ponto de partida.
Época – Como seria esse nivelamento?
Zingales – Educação é fundamental. Nos Estados Unidos, há uma política de apoio a famílias de baixa renda de acordo com a raça. Acho isso uma loucura. Talvez, quando ela foi criada, fizesse algum sentido. Mas hoje não. Uma política dessas deveria ser dirigida a todas as famílias de baixa renda, independentemente da raça de cada uma. Também é preciso estimular a concorrência facilitando a entrada de novas empresas no mercado. Muitas vezes, o aumento da diferença entre ricos e pobres vem da existência de algum tipo de monopólio. Quanto mais competitivo for o mercado, menor será a diferença de renda.
Época – Muita gente acredita que o livre- comércio acaba prejudicando os trabalhadores e as empresas de um país. E defende a adoção de medidas de proteção contra esse “inimigo” externo. Como o senhor vê isso?
Zingales – Há um grande lobby das empresas para tentar se proteger da competição estrangeira. Acredito que a abertura da economia aumenta a concorrência e o bem-estar geral da população. Mas é preciso reconhecer que, do ponto de vista dos trabalhadores, pode representar uma ruptura. Se você trabalha em um setor da economia que está desaparecendo, existe uma grande dose de dor e sofrimento. Por isso, sou totalmente favorável à adoção de medidas de apoio, como treinamento e reciclagem profissional, para quem tem de enfrentar essa mudança, mas não para as empresas. A dor é sentida pelas pessoas. Não há nenhuma razão para subsidiar as empresas.
Época – Em seu livro, quando o senhor diz que precisamos salvar o capitalismo dos capitalistas, é a esse tipo de lobby que se referiu?
Zingales – Exatamente. E a crise reforçou isso ainda mais. Em muitos países, o governo acabou ajudando uns poucos, em prejuízo de muitos. A ideia presente no livro de que o livre mercado é bom, mas precisa se proteger contra a influência dos grandes grupos econômicos que tentam usá-lo a seu favor está mais atual do que nunca. Quando você é dono de uma empresa, é natural que procure obter vantagens de mercado. O que é ruim é quando você tenta usar seu poder também na área política. É isso que distorce o sistema.
Época – Por que a concorrência é tão importante?
Zingales – Eu acredito que a concorrência é uma das grandes forças a serviço da humanidade. Há uma frase famosa de Adam Smith (1723-1790), de que não obtemos o pão fresco e a carne fresca por causa da bondade do padeiro e do açougueiro, mas porque isso interessa a eles. E o interesse deles vai ao encontro do nosso por causa da competição. Toda inovação e toda melhoria no padrão de vida que alcançamos nos últimos séculos são resultado da competição. Ela também trouxe benefícios aos países emergentes. Permitiu que um grande volume de capital dos países desenvolvidos que estavam à procura de retornos mais altos levasse tecnologia e investimento para os países emergentes.
Época – Durante a crise global, a intervenção do Estado aumentou em muitos países, com a adoção de pacotes de estímulo à atividade econômica. Em sua opinião, qual deve ser o papel do Estado na economia?
Zingales – Sou meio cético em relação a intervenções maciças do Estado na economia. Acredito que, nos momentos mais difíceis da última crise, havia uma expectativa de que os governos não deixariam as coisas sair totalmente de controle. Mas, em geral, não sou um grande fã de grandes pacotes de estímulo governamentais. Acho errada esta ideia de que a solução é um aumento gigantesco do déficit público e uma enorme expansão monetária.
Época – No Brasil, o governo acredita que o fortalecimento do setor público, que representa quase 40% do Produto Interno Bruto (PIB), é necessário para promover o desenvolvimento e combater a pobreza. Qual é sua opinião a respeito dessa questão?
Zingales – Em geral, acho que quanto mais coisas o governo faz, menos bem ele as faz. O governo deve fazer bem algumas coisas. É muito importante cuidar da lei e da ordem, garantindo a ação da polícia e da Justiça e garantindo o império da lei. Também deve cuidar da infraestrutura básica, como garantir que as ruas funcionem de forma adequada. Deve se preocupar também com a educação. Não necessariamente de forma direta, por meio do controle de uma rede de escolas públicas. Isso pode ser feito com a distribuição de vouchers para escolas privadas. Acho que implementar alguns serviços sociais para ajudar a população mais pobre também pode ser importante. Mas, mesmo nesses casos, o governo pode fazer isso de forma indireta, apoiando a ação de entidades privadas. Normalmente, o governo não é muito eficiente na execução de nenhuma dessas tarefas. Quanto mais ele tenta controlar, menos eficiente ele é.
Época – Que face o capitalismo deverá assumir com o fim da crise?
Zingales – Paradoxalmente, o país que mais busca o livre mercado hoje não são os Estados Unidos. Os EUA estão se tornando mais protecionistas, porque estão mais fracos. É mais fácil promover a competição quando você é o mais forte. Os Brics (grupo formado por Brasil, Rússia, Índia e China) estão pressionando para haver mais competição na arena internacional e menos subsídios, o que é ótimo. Internamente, porém, não conheço o suficiente para falar. Estou menos otimista hoje de que a China e o Brasil sejam verdadeiramente competitivos e de que não serão capturados por pequenos grupos de interesse dentro de suas próprias fronteiras.
Para polemizar:
FHC, THC e o Estado-babá:
http://blogdovampirodecuritiba.blogspot.com/