O mais relevante, do ponto de vista prospectivo, da fala de ontem do ex-presidente Lula no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo foi a conclamação para que o povo siga o exemplo do Chile: “A gente tem que atacar, não se defender”.
Juntamente com a exaltação dos governos esquerdistas da América Latina, que voltam a se reorganizar na Argentina, na Bolívia, na Venezuela, Lula se referiu ao Chile como um país “que o Guedes” (Paulo Guedes, ministro da Economia) quer copiar.
A volta da união dos governos de esquerda na região, e o apelo à revolta popular, alimentam a reação da extrema-direita, já prenunciada pelo comentário de um dos Bolsonaro sobre a necessidade de volta de um novo AI-5 se a esquerda radicalizasse.
O problema dessa confrontação permanente, que já vem desde a eleição de 2018, é que o país fica refém de posições antagônicas, petista ou antipetista, como se não houvesse vida política fora dos extremismos. Ou se a Guerra Fria tivesse voltado em uma máquina do tempo.
O centro, que não tem um candidato visível com competitividade, como não teve na eleição presidencial, vai ser esmagado novamente se não acontecer a união dessas forças centristas que, embora majoritárias, não conseguem se exprimir unitariamente em torno de uma ideia-força que faça surgir uma liderança.
Para Bolsonaro, é sopa no mel ter Lula como adversário, especialmente para reaglutinar esses eleitores centristas que, sem opções, podem voltar a tê-lo como uma saída contra o petismo que ressurge com a liberdade de Lula.
Também Lula procura esse confronto, como no discurso de ontem no Sindicato dos Metalúrgicos. Subiu o tom nas criticas à Lava Jato, ao atual ministro Sérgio Moro e ao coordenador dos procuradores de Curitiba Deltan Dallagnol. Mas um toque de Lulinha paz e amor apareceu aqui e ali na sua fala, o que pode indicar que tenta se equilibrar entre o ressentimento e a necessidade de moderação.
Mais de Merval Pereira
STF volta atrás
Mudança de ventos
Azares da sorte
Para tentar cooptar parte do eleitorado que votou em Bolsonaro contra o PT e hoje está arrependida da escolha, diante de atitudes e medidas governistas que produzem políticas públicas retrogradas que afastam o país da modernidade, por motivos ideológicos.
Como, por exemplo, o desprezo pela cultura nacional, o menosprezo pela preservação do meio-ambiente, o descaso nos campos da ciência e tecnologia.
O que ainda prende a Bolsonaro boa parte de uma classe média moderada é a atuação dos ministros Paulo Guedes, da Economia, e Sérgio Moro, da Justiça e Cidadania, justamente os dois pilares que Lula tratou de atacar em seus discursos ao sair da cadeia.
Não por acaso, portanto, posição que o impede de criar condições para um avanço sobre o centro moderado. A tragédia econômica, com consequências sociais terríveis, que se abateu sobre o país está tendo sua culpa endereçada por Lula ao governo atual, o que é simplesmente impossível, pois quem está no poder há menos de um ano não poderia tirar o país da depressão em tão pouco tempo.
O ponto mais crítico do discurso de ontem no Sindicato dos Metalúrgicos em São Bernardo foi a colocação no centro do debate político da grave situação das milícias no Rio de Janeiro, território político dos Bolsonaro.
Lula já deu sinal verde para a candidatura de Marcelo Freixo à prefeitura do Rio, aproximando o combate às milícias ao surgimento do nome de Bolsonaro na investigação sobre o assassinato de Marielle.
O calcanhar de Aquiles dos Bolsonaro, o envolvimento direto e indireto com milicianos, que já foram condecorados por eles e até empregados em seus gabinetes parlamentares, será explorado por Lula e pelo PSOL nas eleições municipais no Rio, centro nervoso da politica nacional.
O desaparecimento do ex-funcionário Queiroz é um tormento para Bolsonaro e seus filhos, e serviu de mote ontem ao discurso de Lula. O presidente tentou ficar à parte da disputa com Lula num primeiro momento, talvez imaginando que pudesse ignora-lo.
Não pode, e partiu para o ataque direto, chamando-o de “presidiário” e lembrando que ele continua “com todos os crimes nas costas”. Também Sérgio Moro anunciou pelo Twitter que não responde “a criminosos”.
Mas as dificuldades que ainda persistirão darão a Lula o pretexto para criticar Bolsonaro, e os dois populistas lutarão retoricamente pela narrativa desses tempos interessantes, como uma praga confuciana.
Fonte: “O Globo”, 10/11/2019