O programa de grandes obras do governo Lula parece, sim, com o do regime militar iniciado no período do presidente Geisel.
São obras faraônicas, como eram, por exemplo, a Transamazônica, a Ferrovia do Aço e o programa de construção de nada menos que 12 usinas nucleares, entre outros projetos que ficaram pelo caminho.
São caríssimas já no lançamento e que ficam cada vez mais caras durante a execução.
O trem-bala, por exemplo, tornou-se mais caro ainda na fase do edital. Quando foi incluído no PAC, em 2008, custaria uns R$ 20 bilhões, seria licitado em 2009 e rodaria em 2014, a tempo da Copa.
Dois anos depois, o edital projeta um custo de R$ 33 bilhões um aumento de mais de 50% quando a coisa nem saiu do papel.
Não é estranhar que especialistas duvidem solenemente desse último preço. Como aliás duvidam do preço de outra megaobra, a usina de Belo Monte.
Como no programa do regime militar, o financiamento dessas obras é essencialmente do governo. É um sinal de que o equilíbrio econômico só existe com dinheiro público. As empresas privadas entram quase como contratadas para entregar determinados serviços, mas não colocam seu capital para correr o risco dos projetos.
Mesmo assim, podem se dar mal.
No período militar, várias empresas foram turbinadas pelas obras públicas, mas como não conseguiram ir além disso acabaram quebrando quando os projetos pararam.
E por que pararam? Por uma enorme crise nas contas públicas. Ou simplesmente, a moleza do dinheiro barato, pago pelos contribuintes, acabou.
O regime militar acreditou que o dinheiro barato do financiamento internacional, os petrodólares, estaria sempre à disposição. Quando foi embora, o Brasil, como outros países latinoamericanos, ficou com a dívida externa, as obras paradas e as empresas viúvas do Tesouro.
O governo Lula se baseia tanto no aumento da arrecadação de impostos quanto no financiamento internacional barato. Mas mesmo que essas condições permanecessem por muitos anos, os projetos de Lula têm problemas específicos de viabilidade e, no geral, exigem um esforço financeiro além da capacidade (e das necessidades) do país.
A proposta é na base do voluntarismo que atropela o próprio governo e suas estatais, passando por cima da análise técnica.
A Petrobras é um caso exemplar.
No último 9 de junho, em Natal, o presidente Lula disse que as refinarias de petróleo em construção no país não seriam feitas se a decisão dependesse da Petrobras. O parecer técnico da estatal, segundo o presidente, sustentava que as refinarias existentes já davam conta da demanda.
E esse é mesmo um ponto de vista bem espalhado não apenas no Brasil, mas no mundo de que há capacidade suficiente nas refinarias.
Mas Lula mandou fazer. Em Natal, disse que foi uma decisão de governo.
Mas algum tempo atrás, em entrevista ao jornal Valor Econômico, menos modesto, havia dito que ele mandara mudar os planos da Petrobras.
Segundo o presidente, as refinarias são necessárias para gerar atividade econômica no país e para a exportação.
Mas o que ocorre se o parecer técnico da Petrobras estiver correto, de que haverá excesso de capacidade? As refinarias ou não serão concluídas ou ficarão ociosas, em qualquer caso, dinheiro jogado onde não havia prioridade.
Em resumo, Lula está impondo enormes tarefas e, pois, investimentos ao governo e às estatais (como o caso da Eletrobrás com Belo Monte), que vão se endividar.
Mas, como no caso do regime militar, o problema aparece mais à frente.
Quem pagou pela crise foram os governos democráticos.
Lula certamente colocará a culpa nos derrotistas.
COBRANÇA
O presidente Lula reagiu com veemência às dúvidas levantadas acerca dos riscos da exploração de petróleo do pré-sal. A questão tinha a ver com o vazamento no Golfo do México, ocorrido em um poço de uma companhia, a BP, que até então tinha o prestígio de ser uma das melhores petrolíferas do mundo, cuidadosa com as questões ambientais.
Lula, porém, decretou que o pessoal lá era incompetente, ao contrário da Petrobras, que teria capacidade acima de qualquer dúvida. A propósito, leitores e ouvintes atentos lembraram de um outro momento em que Lula se fiou na capacidade da estatal brasileira.
Foi quando do acidente do Airbus da Air France, que caiu no Atlântico, costa brasileira. O presidente disse então que se a Petrobras achava petróleo a 5 mil metros, estava claro que os brasileiros saberiam encontrar a caixa preta do jato.
Não foi encontrada. Culpa dos franceses, por certo.
DONOS DO BOLSA FAMÍLIA
Sobre essa disputa em torno da autoria do Bolsa Família, convém observar alguns dados concretos, como diria o presidente Lula.
O programa foi criado pela Lei 10.836, de 9 de janeiro de 2004. No parágrafo do primeiro artigo se diz que o Bolsa Família tem por finalidade a unificação do Bolsa Escola, Bolsa Alimentação, Auxílio Gás e o Cadastramento Único, todos os quatro programas instalados no governo FHC.
A parte de Lula foi ampliar o número de beneficiários, além de elevar o valor das bolsas (e fazer uma certa vista grossa para as condicionalidades).
O mesmo vale para o salário-mínimo, que é também o piso do INSS. A política de elevação real do salário foi iniciada no momento mesmo do lançamento do Plano Real. De novo, Lula acelerou os aumentos e o gasto público.
Fonte: Jornal “O Globo” – 22/07/2010
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