O presidente Luiz Inácio Lula da Silva lançou em dezembro, às vésperas do Natal e aproveitando o recesso das festas, um ambicioso plano para a implantação de um regime autoritário no Brasil. Dias depois, por causa da reação dos comandantes militares à redação inicial do decreto, ensaiou um aparente recuo. Seguindo estratégia bem conhecida, tirou o bode da sala, mas manteve cobras venenosas debaixo da cama dos brasileiros. Estilhaçou-se, aqui e no exterior, a imagem do presidente da República. O líder equilibrado e respeitado vai, aos poucos, sucumbindo aos apelos do radicalismo ideológico.
O projeto do presidente da República e de sua candidata à sucessão presidencial, Dilma Rousseff, reduz o papel do Congresso Nacional, desqualifica o Poder Judiciário, agride gravemente o direito de propriedade, sugere o controle governamental dos meios de comunicação e sujeita a pesquisa científica e tecnológica a critérios estritamente ideológicos.
A educação, também moldada segundo os interesses do regime, faz parte do projeto. O governo deverá incentivar a produção de filmes, vídeos e áudios voltados para a educação sobre direitos humanos e para a reconstrução “da história recente do autoritarismo no Brasil”. Será, como salientou recente editorial do jornal O Estado de S. Paulo, “um autoritarismo cuidando da história de outro”.
No campo dos valores morais e religiosos, tão caros ao povo brasileiro, o Lula real também mostrou sua verdadeira face. O presidente quer erradicar os símbolos religiosos dos estabelecimentos públicos, deseja descriminalizar o aborto e assume a bandeira da união civil entre pessoas do mesmo sexo.
Uma carta de leitora, publicada no jornal O Globo, mostra a reação dos brasileiros ao monstrengo presidencial.
“O programa Nacional de Direitos Humanos me parece um pesadelo”, escreve a leitora Célia Paula Borges, do Rio de Janeiro. “Se ele já estivesse em vigor, ao manifestar aqui meu desagrado sobre alguns itens, poderia ser perseguida, tendo em vista que minha mensagem será censurada. Se eu sair com minha cruz no pescoço, que uso desde criança, vou ostentar símbolos religiosos. Ao condenar a prostituição, estarei sendo preconceituosa com uma profissão legalizada. Se possuir algumas terras e, por alguma dificuldade financeira, não puder plantar nada, minha propriedade será invadida e não vou ter direito à reintegração de posse. Concluo que o melhor é ser ignorante, não manifestar nada, não ter religião, ser prostituta e pertencer a grupos que invadem terras alheias. Só assim vou ter meus direitos garantidos”, conclui a leitora.
O Brasil que Lula quer construir – autoritário e intolerante – tem pouca conexão com as verdadeiras raízes da nossa cultura. Agora, no ocaso de seu governo, mostra sua verdadeira face e quer impor um modelo autoritário inspirado no Foro de São Paulo, entidade fundada por Lula e Fidel Castro e cujas atas podem ser acessadas na internet. Está tudo lá.
O pulo do gato, no entanto, reside em dois pilares do projeto: exercício da “democracia direta” e controle dos meios de comunicação. Tal como Hugo Chávez, o presidente Lula propõe a valorização de instrumentos como “lei de iniciativa popular, referendo, veto popular e plebiscito”. É a instalação do populismo autoritário e a transformação de formas excepcionais de consulta em meios normais de legislação.
Mas é no controle da imprensa, sobretudo da mídia independente e formadora de opinião, que os estrategistas do Planalto investem com mais vigor. Silenciada a imprensa, sucumbe a cidadania. Se as leis propostas forem aprovadas, o governo poderá suspender programações e cassar licenças de rádios e de televisões, quando houver “violações” de direito humanos. Será criado um ranking nacional de veículos de comunicação baseado em seu “comprometimento” com os direitos humanos.
Lula manifesta crescente insatisfação com o trabalho da imprensa. Para o presidente da República, um político que deve muito à liberdade de imprensa e de expressão, imprensa boa é a que fala bem. Jornalismo que apura e opina com isenção incomoda. Está, na visão de Lula, a serviço da “elite brasileira”.
Na verdade, cabe à imprensa um papel fundamental na salvaguarda da democracia. Devemos, sem engajamento e atitudes de contrapoder, aprofundar fortemente no processo de apuração. A defesa da liberdade passa pela guerra ao jornalismo de registro e pela promoção da investigação de qualidade. Precisamos, sistematicamente, ir além das declarações para desnudar as reais intenções. Um jornalista deve ser um homem livre, independente, um demolidor de tabus, um questionador do politicamente correto. É a nossa missão. É o nosso papel. É o que a sociedade espera de nós.
Não é de hoje a fina sintonia de Lula com governos autoritários. Assiste-se, de fato, a um processo articulado de socialização do continente. A biografia do presidente Lula foi construída graças aos seus méritos pessoais e aos amplos espaços que a democracia oferece a todos os cidadãos. Mas o poder fascina e confunde. Preocupam, e muito, a letra e o espírito do 3º Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3). O governo se empenhará para que o assunto desapareça do noticiário. Mas o nosso dever é manter a cena iluminada.
Os brasileiros apreciam a democracia. Assim como condenaram a ditadura militar, não aceitam projetos autoritários que, sob o manto da justiça social, anulam um dos maiores bens da vida: a liberdade.
(“O Estado de SP” – 25/01/2010)
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