O presidente Luiz Inácio Lula da Silva apoiou o ministro do Trabalho, Carlos Lupi, contra a Comissão de Ética Pública, em dezembro de 2007, e o manteve no posto elogiando seu “comportamento republicano”. Passados quatro anos e acumulado um enorme número de bandalheiras, a Comissão entra em cena de novo, cobrando esclarecimentos sobre novas irregularidades apontadas pela imprensa. Desta vez, a republicaníssima figura mantida por Lula e por ele deixada à sua sucessora não tem sequer o apoio unânime de seus companheiros do PDT. No entanto, a relação promíscua entre o partido e o Ministério foi o grande assunto da maior parte das denúncias nos últimos quatro anos.
A Comissão de Ética Pública da Presidência propôs a demissão de Lupi quando ele se recusou a deixar a presidência do PDT, em 2007. Segundo a Comissão, ao acumular os dois cargos, o ministro comprometia “a necessária clareza de posições exigida das autoridades públicas pelo artigo 3.º do Código de Conduta da Alta Administração Federal”. De acordo com ofício enviado ao presidente, a acumulação envolvia também o risco de conflito de interesses, assunto examinado na Resolução n.º 8, de 25/9/2003.
O ministro negou-se a deixar a presidência do partido, enfrentou a Comissão e venceu a parada, sustentado pelo presidente da República. A questão era ética, mas a Advocacia-Geral da União preferiu outro enfoque e negou haver ilegalidade ou inconstitucionalidade na manutenção dos dois cargos.
Dois meses depois dessa vitória o ministro voltou ao noticiário, acusado de favorecer entidades ligadas ao PDT. Lupi negou qualquer irregularidade, mas pouco depois, numa entrevista coletiva, anunciou o cancelamento de contratos no valor de R$ 25,8 milhões.
Dois eram especialmente interessantes. Uma das entidades beneficiadas era a ONG DataBrasil, de São Paulo, com sede no prédio da Força Sindical, ligada ao PDT. Seu convênio envolvia o repasse de R$ 10,7 milhões. Outra era um asilo para idosos, em Catanduva, favorecido com R$ 3,7 milhões para cuidar do treinamento de jovens.
Também ganhou notoriedade o caso de uma associação presidida por uma pedetista e beneficiada, no mesmo período, com verba de R$ 8,5 milhões, embora fosse investigada pelo Tribunal de Contas do Rio de Janeiro. A revista Época publicou um detalhado material sobre todos esses escândalos em fevereiro de 2008.
Nessa segunda-feira, ao se proclamar um osso duro de roer, o ministro Lupi mencionou uma “onda de denuncismo”, repetindo uma fórmula muito usada, em Brasília, pelo menos desde o tempo do mensalão. Se for uma onda, deve ser o sonho de consumo dos grandes surfistas, pelo tamanho e pela duração.
O espetáculo de republicanismo continuou. Em 2009, o ministro decidiu mudar os costumes no Condefat, o conselho gestor do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), na ocasião com patrimônio de R$ 150 bilhões. Pela tradição, as bancadas se revezavam na presidência a cada dois anos. Dessa vez, a Força Sindical seria substituída por uma entidade patronal, a Confederação Nacional da Agricultura (CNA). Lupi resolveu mobilizar os votos das centrais sindicais e do governo contra a CNA. Com essa jogada, foi eleito Luigi Nese, representante da Confederação Nacional de Serviços, criada em dezembro do ano anterior e recém-incorporada ao Conselho. Lupi era conhecido como “patrono” dessa confederação. Quatro das entidades patronais – CNI, CNC, CNA e Consif – protestaram e abandonaram o Condefat, deixando-o sob controle do ministro e de seus aliados.
A história do Ministério do Trabalho tem sido marcada também por eventos maravilhosos, como a multiplicação dos pescadores, detectada pela Associação Contas Abertas e confirmada pelo detalhamento dos dados oficiais. Em 2003, o governo beneficiou 113.783 pessoas com o seguro-defeso, um salário mínimo pago a pescadores artesanais durante os meses de reprodução de certas espécies.
O número de beneficiários chegou a 553.172 na previsão orçamentária de 2011. O desembolso saiu de R$ 81,5 milhões para o total estimado de R$ 1,3 bilhão neste ano. Esse dinheiro, extraído do FAT, é mais que o dobro do orçamento do Ministério da Pesca, R$ 553,3 milhões. Nunca se viu tanto pescador artesanal, prodígio operado pela generosa distribuição de atestados. Até em Brasília apareceram pescadores inscritos no programa.
Neste ano, o Ministério do Trabalho já entregou R$ 89,4 milhões para entidades “sem fins lucrativos”. Falta determinar o destino real desse dinheiro e as condições de desembolso – com ou sem as propinas denunciadas em reportagem da Veja. Também falta examinar as 500 prestações de contas engavetadas no Ministério, segundo o Tribunal de Contas da União. Ainda vai dar muito trabalho o balanço de tanto republicanismo – bem mais notável, provavelmente, do que poderia prever em 2007 a Comissão de Ética Pública.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 09/11/2011
No caso da relação promíscua do governo federal, que já dura nove anos, com as ONGs, já cabe a abertura de CPI para apurar este fato certo, segundo os ditames do §3º do art. 58 da Constituição da República de 1988. Qual a razão de nossos congressistas ainda não terem feito isso? E o povo: quando é que vai cessar de marchar só em favor de assuntos menos importantes do que a boa versação do dinheiro público em nosso país? ALEXANDRE COUTINHO PAGLIARINI