Tudo começou com manifestações que se distinguiram pela circunstância de apresentarem-se com máscara os manifestantes, o que impedia a identificação desses. Os mascarados permitiram-se a prática de atos ilícitos com danos materiais e morais, consistentes na depredação de prédios públicos, vitrines de estabelecimentos comerciais e bancários. Esta conduta se repetiu algumas vezes, e nenhuma vez nenhuma autoridade tomou nenhuma providência. Tinha-se a impressão de que a autoridade ou entendia que em uma manifestação em termos civilizados se continha a prerrogativa de destruir bens privados ou públicos, ou tinha medo de cumprir a lei, se é que lei alguma permite que alguém, a seu arbítrio, possa lesar gratuitamente o próximo.
A omissão oficial obviamente passou a servir de estímulo para os abusos aumentarem. Não era costume, até então, destruir ônibus, mediante o incêndio deles, mas o expediente macabro era curioso, uma vez que inédito, e a destruição desses bens se tornou mais ou menos habitual, porque também ela constituía uma novidade. Só na cidade de São Paulo mais de 30 ônibus foram consumidos pelo fogo, em questão de dias. Depois, era fácil iniciar a operação, bastando quebrar um vidro e jogar um coquetel molotov, para que o objeto ficasse reduzido a um esqueleto de máquina. A partir daí o quebra-quebra estava institucionalizado, seja pela passividade da custódia inerente ao poder público, revogada por omissão culposa, seja por ordem superior, como ocorreu aqui entre nós.
Pode-se dizer que a lassidão, a indiferença e a covardia passaram a ocupar o lugar reservado à fidelidade à lei, ao dever funcional e ao senso de responsabilidade. Era natural que os desvios do poder permitidos às escâncaras não parassem aí, era evidente que eles seriam agravados, só um tolo podia imaginar que a desordem ficasse satisfeita com os males causados. O que era inevitável ocorrer aconteceu.
Com efeito, em manifestação pacificamente iniciada na altura da Central do Brasil, no Rio, os mesmos mascarados começaram a fazer o que deles é habitual, duas pessoas conduziam sucessivamente um foguete e, a certa altura, foi ele aceso e jogado ao chão e em pleno movimento veio a atingir um profissional, cinegrafista da Bandeirantes, Santiago Ilídio Andrade; atingido na cabeça, foi levado ao Hospital Souza Aguiar e submetido a demorada intervenção; chegou em estado grave e assim continuou até a morte.
A reação social foi imensa e houve quem imaginasse que o fato poderia servir para afastar os excessos rotineiros, mas dois fatos ocorreram de imediato, que me deixaram cético; o primeiro deles ocorrido no Rio de Janeiro, na Avenida Presidente Vargas, na altura da Central do Brasil; como de estilo, os encapuzados iniciaram depredação da qual não ficaram imunes prédios e não faltaram feridos no quebra-quebra; o outro, manifestação realizada em Brasília, maior e mais expressiva, estimada em 15 mil pessoas, vestidas uniformemente, obviamente originários de vários Estados e que, depois de comprometer o trânsito local, tentaram ingressar no Planalto; diante da resistência, reagiram, resultando feridos, sendo dois em estado grave. Essa movimentação não se faz sem recursos abundantes. Fato que está a mostrar que há mais coisas no ar do que os aviões de carreira.
Este quadro esboçado, breve e superficialmente, está a indicar a natureza e gravidade das organizações que a esta altura dão fisionomia a um conflito que, talvez, a senhora presidente, no seu afã eleitoral, não tenha medido.
Antes que esqueça, assoalha-se até pela imprensa que os mascarados receberiam R$ 150 diários para melar as manifestações. Verdade? Fabulação?
Fonte: Zero Hora, 17/02/2014
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