Vencidas as eleições legislativas e com maioria no novo Parlamento francês, o governo de Emmanuel Macron deu início ontem às negociações para a reforma trabalhista, a primeira de uma série de reformas. De inspiração escandinava, as mudanças apostam na flexibilidade, transferindo parte das negociações para o interior das empresas. Em contrapartida, trabalhadores terão mais representação nos conselhos de gestão.
A reforma a ser implementada na França tem pouco a ver com as propostas em tramitação no Brasil. Os principais objetivos do texto são dois: flexibilizar as condições de demissões e contratações, como deseja o Movimento das Empresas da França (Medef), maior sindicato patronal, bem com ampliar o seguro-desemprego e aprimorar a requalificação profissional, reivindicações dos sindicatos.
Entre as medidas mais controvertidas, está a facilitação das demissões por razões econômicas. Assim, uma empresa que alegar dificuldades poderá demitir trabalhadores em Contrato de Duração Indeterminada (CDI) – hoje, 85% do total – pagando menos indenização.
Além disso, as condições impostas para um Contrato de Duração Determinada (CDD) serão flexibilizadas. O governo busca estimular os contratos por tempo determinado para reduzir o desemprego – na casa de 9,4% – com rapidez e reduzir o temor das empresas de contratar por tempo indeterminado.
Em compensação, o governo pretende ampliar a presença de delegados dos sindicatos nos conselhos de administração e de supervisão de empresas, melhorar as condições de acesso ao seguro-desemprego – incluindo trabalhadores que pedem demissão e autônomos –, assim como investir em cursos de requalificação profissional.
O projeto de reforma foi apresentado ontem pela ministra do Trabalho, Muriel Pénicaud, ao Conselho de Ministros – a reunião ministerial comandada por Macron. O texto servirá como esboço para as negociações com sindicatos patronais e de trabalhadores, que poderão contribuir para a redação do projeto de lei que criará o novo Código do Trabalho, a ser apreciado pelo Parlamento.
Segundo Muriel Pénicaud, o intuito da reforma é “transformar o modelo social”, com “mais diálogo social e econômico, que conduz a mais liberdade e mais segurança”. A ministra informou ainda o trâmite político do projeto: primeiro, o envio das linhas gerais ao Parlamento, entre os dias 24 e 28 de julho, e a seguir a fase chamada de “prescrição”, como é chamado o detalhamento de cada medida. Essa etapa será concluída até o fim de agosto.
Impacto
Ainda marcada pela última reforma do mercado de trabalho realizada em 2016 pelo governo socialista de François Hollande, a opinião pública vê com cautela o novo projeto.
Esse é o caso de Édouard Morin, estudante de 21 anos que ganha a vida como autônomo em uma startup. A flexibilidade do trabalho como “freelancer” agrada, assim como o baixo nível de exigência. “Posso trabalhar quatro horas em um dia, nenhuma no outro, se quiser. É prático, porque não gosto de horários fixos”, diz o estudante de mestrado. “Por outro lado, é precário demais. Temo que a reforma aumente a precariedade no trabalho”, diz o jovem, que enumera as dificuldades de alugar um apartamento ou de obter um crédito imobiliário quando não se é contratado por tempo indeterminado.
Essa preocupação é a mesma dos principais sindicatos de trabalhadores. A Confederação-Geral do Trabalho (CGT), hoje a segunda maior e a mais radical do país, já avisou que não participará do diálogo e convocou manifestações para setembro. Por outro lado, a Confederação Francesa Democrática do Trabalho (CFDT), maior sindicato do país e com perfil reformista, e também a Força Operária (FO), confirmaram que participarão da mesa de negociações.
Mudanças
Contratos
Em linhas gerais, a França dispõe de dois grandes contratos de trabalho: Contrato de Duração Indeterminada (CDI) e Contrato de Duração Determinada (CDD). O governo quer flexibilizar as regras do CDD, que variarão de um setor a outro da economia. O CDI, usado na construção civil, também será flexibilizado
Convenção x Acordo
Ampliação das situações em que acordos entre trabalhadores e empresas se sobreponham às convenções coletivas
Representação sindical
Fusão de diferentes representações sindicais no interior de uma empresa, formando uma só instância de negociação
Governança empresarial
O governo pretende que os funcionários de uma empresa tenham assento garantido no Conselho de Administração e no Conselho de Supervisão
Justiça do trabalho
Haverá piso e teto para indenizações por demissão sem justa causa. Essas referências vão variar de acordo com a antiguidade do funcionário. Não valem para casos de discriminação ou assédio
Demissões
Hoje, uma empresa pode demitir por três motivos: pessoal, econômico e específico, com direitos diferentes para o empregado. O projeto prevê alterar a demissão econômica, ampliando a análise das dificuldades que justificam demissões
Seguro-desemprego
Em um texto de lei diferente, o governo reformará o seguro-desemprego para melhorar a indenização de desempregados, incluindo demissionários e trabalhadores independentes
Formação contínua
A reciclagem profissional por cursos de requalificação será reformulada e ampliada para permitir que desempregados possam, por exemplo, migrar de setor da economia
Fonte: “O Estado de S. Paulo”.
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