O Brasil não vive uma crise aguda como outras já vividas no passado. Ainda assim iniciou o ajuste da economia. Bom sinal. Seria fruto do avanço democrático? Qualquer que seja a resposta, o fato é que o país sai da letargia que contaminou o ambiente político, econômico e social em boa parte do período do chamado super-ciclo de commodities. Com o sucesso econômico, a sociedade mostrou-se mais apática, a saudável concorrência na política desapareceu, a condução de políticas públicas ficou mais leniente com a menor restrição financeira e, possivelmente, os empresários ficaram mais acomodados em um ambiente de baixa concorrência.
[su_quote]Disciplina fiscal, reancoragem da inflação e ajustes de preços relativos são ingredientes essenciais para tirar o país do atoleiro[/su_quote]
Mesmo não sendo uma crise aguda, o quadro é de profundo desequilíbrio e desarrumação da economia que precisa ser corrigido para afastar o cenário de crise aguda. Assim, não haveria, de fato, espaço para manter a política econômica anterior, e muito menos para dobrar apostas, como era o temor de muitos. O governo foi na direção oposta: reconheceu erros e se esforça para uma reorientação da política econômica.
Por ora, é uma agenda, grosso modo, de controle de danos, apagar incêndio, para evitar cenários críticos. Não apenas para afastar o rebaixamento da nota de crédito do Brasil, mas para evitar o colapso da economia. Disciplina fiscal, reancoragem da inflação e ajustes de preços relativos são ingredientes essenciais para tirar o país do atoleiro; termo utilizado pela The Economist para descrever o atual momento do Brasil.
As chances de sucesso dependem da política. Do ponto de vista técnico, não há muitas dúvidas quanto ao caminho a ser seguido. A questão é como explicar para sociedade e convencer parlamentares, principalmente da base aliada, sobre a importância da reorientação da política econômica. A política definirá a extensão do ajuste, pois interesses serão contrariados, principalmente depois de tanto ativismo estatal. E a questão não é apenas garantir o ajuste em 2015, mas certamente também ao longo dos próximos anos, para efetiva correção de rumo.
Ainda que a agenda tenha suas limitações, ao não incluir reformas estruturais, o fato de trazer para o debate a reavaliação de políticas públicas – crédito subsidiado, renúncias fiscais, as várias políticas sociais – é um passo muito importante que reflete um maior amadurecimento do país. Enquanto isso, aos poucos, é retomada no país a discussão de como avançar nos ganhos de produtividade e eficiência na economia.
Colocar a macroeconomia nos trilhos poderá fazer o país voltar a crescer em torno de seu potencial, que talvez esteja entre 1% e 2% atualmente. Mas se o ajuste fiscal for persistente, e não apenas um remendo de curto prazo, é possível que seu impacto surpreenda, pois eliminar distorções inseridas e ampliadas pela política econômica nos últimos anos poderá contribuir para aumentar o potencial de crescimento. Subsídios, proteções e controle de preços, provavelmente, encolheram o potencial de crescimento do país.
Crescimento robusto, no entanto, dependerá de mais ousadia, com medidas que reduzam o custo Brasil, e não apenas desmontar distorções dos últimos anos. A ação estatal, ainda que bem intencionada, tem sido muitas vezes prejudicial ao funcionamento da economia.
A ambição do país de crescer mais, ou seja, ampliar o potencial de crescimento de longo prazo, ainda não está suficientemente clara. Aqui o debate parece menos consolidado, pois há muita confusão sobre um suposto conflito entre crescimento e distribuição de renda. Para muitos esses são objetivos necessariamente conflitantes. E há dúvidas quanto ao amadurecimento do país para discutir o papel do Estado.
Será que a sociedade compreende que o modelo de ação estatal precisa ser repensado para o que se eleve o potencial de crescimento do país, e que o avanço nas conquistas sociais depende da volta do crescimento? Será que a sociedade compreende que melhorar a gestão das políticas públicas, reduzir carga tributária e adotar medidas pró-crescimento pode implicar menos privilégios e proteções para muitos grupos, como, por exemplo, uma mudança nas regras de aposentadoria, que não se adequam à atual realidade demográfica do país, ou inserir concorrência e meritocracia na oferta de serviços públicos?
Mais uma vez o desafio é também político. Sair da letargia, trazendo o debate para a sociedade e elegendo prioridades.
Fonte: Broadcast, 16/04/2015.
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