A maioria dos professores da rede pública no País não consegue desenvolver todo o conteúdo de sua disciplina ao longo do ano. Dados do questionário contextual da Prova Brasil de 2015, a mais recente, mostram que só 45% dos docentes conseguiram desenvolver ao menos 80% do conteúdo previsto para o ano.
A Prova Brasil é realizada de dois em dois anos e mede a qualidade do ensino no País para os anos iniciais (do 1º ao 5º), anos finais (6º ao 9º) e ensino médio. Além da avaliação, professores, alunos e diretores das unidades precisam responder a um questionário que aborda temas como condições de trabalho, práticas pedagógica e percepção de aprendizado. As respostas foram compiladas pela plataforma Qedu e serão divulgadas nesta segunda-feira, 20, no site qedu.org.br, a partir das 12 horas.
Professores ouvidos pelo “Estado” apontam defasagem de aprendizado de novos alunos, falta de infraestrutura da escola e indisciplina dos alunos como principais desafios.
A professora de história Julia Bittencourt, de 27 anos, que está na rede estadual de ensino de São Paulo desde 2012, diz que o problema de não conseguir passar toda a matéria acontece todos os anos. Ela destaca que o número de aulas é baixo e insuficiente.“É impossível passar todo o conteúdo se você buscar uma abordagem de qualidade”, diz.
A docente cita a falta de infraestrutura de parte das escolas como uma dificuldade. “Dificulta muito você conseguir usar meios alternativos que não sejam o giz e lousa. Em muitas escolas, pela burocracia, desorganização e, muitas vezes, ausência de material e espaço, passar um filme é uma guerra”, diz ela, que já levou TV de casa para a escola e até comprou retroprojetor com dinheiro do próprio bolso.
Os dados são semelhantes tanto para as redes municipais quanto estaduais e federais. Mas há diferença entre os anos: na avaliação dos anos iniciais os professores avançam mais: 55% das respostas apontam que 80% ou mais do conteúdo foi dado em sala no ano letivo.
A professora de língua portuguesa Juliana Campelo, de 32 anos, destaca a falta de conhecimento prévio de parte dos estudantes. “Os conceitos são encadeados e eu sinto muita dificuldade, por exemplo, em ensinar orações subordinadas e coordenadas para uma turma que não conhece as classes de palavras, que não faz ideia do que sejam conjunções. Fica difícil cumprir o conteúdo”, conta. Uma mudança que ela diz ter minimizado o problema foi acompanhar uma mesma turma em anos diferentes. “Senti uma sensível melhora”. Outra dificuldade é a falta de material.
O pesquisador da Fundação Lemann Ernesto Martins Faria lembra que a dificuldade dos professores em conseguir concluir todos os conteúdos já aparecia em questionários de anos anteriores. “É um problema grave. Pode haver conteúdos de aprendizagem muito importantes que não chegam ao aluno. Isto significa que há programas curriculares que não estão sendo cumpridos”, diz.
Disciplina
Manter a disciplina dos alunos também é desafio, segundo as respostas compiladas no estudo: ao menos um em cada dez docentes (16%) usa entre 20% e 40% do tempo só para chamar a atenção dos estudantes e manter o silêncio. Atividades administrativas, como chamada e preenchimento de formulários também gastam de até 10% do tempo para a maioria dos professores (70%).
O levantamento aponta ainda que o cenário é mais grave ao analisar os dados por nível socioeconômico dos alunos. Escolas mais pobres tendem a ter resultados piores. A falta de recursos pedagógicos, por exemplo, está em 64% das unidades que atendem alunos de nível socioeconômico muito baixo, enquanto é inferior a 50% entre o mais alto.
Mudanças
O Ministério da Educação (MEC) informou, em nota, que assim que a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) for aprovada, professores e gestores terão formação continuada sobre as diretrizes do documento para que “estejam preparados e seguros” para implementá-la em sala.
A Secretaria Estadual de Educação de São Paulo disse que o bom desempenho na Prova Brasil mostra que o aprendizado dos conteúdos foi contemplado. Afirmou ainda que os alunos fizeram recuperação intensiva em fevereiro. Já a rede municipal diz que o professor tem planejamento pedagógico acompanhado por um coordenador e que tudo é aprovado pela supervisão escolar das diretorias de ensino.
Fonte: “O Estado de São Paulo”
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