O Banco Central (BC) terá agido corretamente, ao reduzir a taxa básica de juros, se houver a seguinte combinação de fatores: o mundo desabar de novo; o governo Dilma implementar uma forte e duradoura contenção do gasto público; e se o nível de juros no Brasil tiver permanecido elevado esses anos todos por burrada ou leniência do BC.
É o que se conclui das manifestações do próprio Banco Central, de membros do governo e de seus aliados. O BC se baseia mais na tese segundo a qual o mundo desenvolvido apresenta uma recaída forte na crise, desta vez menos aguda, porém mais longa. Essa desaceleração vinda de fora cai em cima de uma redução do crescimento já em curso no Brasil, de modo que, nota o BC, não há como a inflação prosperar nesse ambiente. Por isso se pode reduzir a taxa de juros para garantir algum crescimento.
Ocorre que esse argumento não parece convencer nem os mais qualificados aliados do governo. Se não houver um novo colapso como o de 2008 – coisa na qual nem o próprio BC acredita -, o efeito sobre a economia brasileira será mitigado. Como a própria presidente Dilma tem ressaltado, há um mercado interno bastante dinâmico por aqui e que continua em expansão (como, aliás, reconhece o BC). E a China, nosso principal freguês, pode desacelerar, mas naquele ritmo deles: em vez de crescer 10%, o esperado para este ano, vai crescer entre 8,5% e 9%.
Por isso, economistas alinhados com o governo põem mais força no argumento do ajuste de contas públicas. Afirmam que o governo já está segurando as despesas e que tem projetos para o equilíbrio de contas de longo prazo. De fato, há no Congresso Nacional projetos importantes que estabelecem regras que limitam o avanço dos gastos de custeio, impõem um teto baixo para o aumento dos gastos com salários do funcionalismo e criam o fundo de pensão dos funcionários públicos, equiparando seu regime ao do INSS.
Este último andou mais, passando em comissões. Mas está longe de ter apoio da base aliada, muito menos do PT, da CUT e de seus sindicatos. Já o projeto que limita o reajuste dos servidores foi rejeitado na Comissão de Trabalho da Câmara dos Deputados e líderes petistas dizem que a chance de avançar é zero. O mesmo vale para o projeto que limita gastos de custeio.
Mas o governo não está cortando gastos? Não. O gasto está crescendo menos do que cresceu no ano passado, quando subiu fortemente. Além disso, o projeto de Orçamento recém-apresentado pelo governo prevê aceleração das receitas e dos gastos para o ano que vem. E o Congresso debate vários projetos que aumentam os gastos.
Outro ponto importante do debate se refere ao mercado de trabalho. O desemprego está nos níveis mais baixos da história recente e os salários sobem em termos reais. Não há sinais de desaceleração aí. Ao contrário, o salário mínimo vai subir 14% em janeiro, e nas negociações coletivas (e greves) em curso os trabalhadores estão reclamando reajustes na base de 10%.
O BC alerta para esse problema, mostrando que reajustes salariais acima dos ganhos de produtividade são inflacionários. Pois é, são mesmo, e é o que está acontecendo.
Mas, dizem economistas aliados, o governo está tratando de medidas que corrijam o desequilíbrio do mercado de trabalho (demanda superior à oferta, falta de mão de obra e custos trabalhistas elevados). No entanto, a única medida concreta tomada até aqui foi a eliminação da contribuição previdenciária patronal sobre a folha de salário, beneficiando quatro setores da economia.
Só que essa desoneração foi compensada por um novo imposto, este sobre o faturamento. Ou seja, a carga tributária, o custo de produzir não cai e pode até aumentar em alguns casos.
Resumindo, toda essa argumentação do BC, do governo e de seus aliados se baseia numa hipótese extremamente pessimista, e a menos provável, sobre a crise mundial e num ajuste de contas públicas que se está por ver.
Por isso aparece outra explicação. Muitos economistas do lado desenvolvimentista têm salientado que os juros ficaram muito altos no Brasil por burrada do BC ou, pior, pela sua subserviência ao mercado financeiro. Logo, podem ser derrubados imediatamente, que não vai acontecer nada com a inflação.
O BC, claro, não pode dizer isso. Mas notou na ata divulgada na semana passada que a taxa de juros neutra – aquela que mantém a inflação na meta sem bloquear o crescimento – parece ter sofrido “redução significativa”.
Reparem: o BC também repetiu várias vezes que inflação elevada distorce a economia e impede crescimento duradouro; e que a política de juros é o melhor instrumento de combate à inflação. Se as premissas são essas e se o BC está reduzindo a taxa básica de juros, afirmando que mesmo assim a inflação vai para a meta, só pode ser porque entende que o “juro neutro” é significativamente menor que o atual nível de 12%.
Por outro lado, os desenvolvimentistas também entendem que a inflação de 6,5%, no teto da margem de tolerância, não é problema em países emergentes.
Tudo isso indica que o governo Dilma mudou a política econômica. Mas não colocou outra no lugar, não pelo menos uma política com seus fundamentos definidos e assumidos. Continua dizendo que o regime de metas de inflação está de pé, quando praticamente ninguém acredita nisso. (E dentro do governo muita gente diz que é bom que tenha acabado.)
A presidente Dilma, em seu último discurso, prometeu tudo: reduzir os juros, sustentar o crescimento, conter a inflação, aumentar as exportações, bloquear importações, conter gastos públicos, acelerar investimentos e programas sociais.
Claro que o governante quer o melhor possível, mas política econômica exige escolhas e metas mais definidas. Pelo menos até aqui, o governo está colhendo o contrário do que anuncia: temos mais inflação e menos crescimento.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 12/09/2011
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