A grande maioria das pessoas aprende desde cedo a viver sob valores como o respeito à liberdade, à paz e à propriedade alheia. São educadas desde a primeira infância a seguirem os pilares da ética liberal. Desde a mais tenra idade aprendemos que “é feio” bater em nossos coleguinhas, pegar para si aquilo que não nos pertence, a dizer “com licença”, “por favor”, “me desculpe”, etc. E a ampla maioria das pessoas leva também para a vida adulta tais padrões de conduta. Não deixamos de roubar ou matar só porque é proibido e temos medo da prisão, mas sim porque está muito claro que é errado fazer isso (difícil crer que um índice de solução de homicídios de cerca de 5% seja um fator dissuasório tão relevante). A “regra de ouro”, que diz que não devemos fazer aos outros aquilo que não desejamos que seja feito a nós mesmos, é algo tão automático e presente em nossas vidas e em nossas relações interpessoais que às vezes nem percebemos.
Além disso, uma pessoa pode não saber exatamente o que quer em todas as circunstâncias de sua vida, mas em geral não aceitaria que um completo estranho viesse e arbitrariamente começasse a decidir em seu lugar que roupa usar, que cerveja beber, que carro comprar, que tipo de estabelecimento comercial frequentar ou com quem se relacionar. Em geral aceitamos que nossos pais influenciem tais escolhas até certa idade, mas mesmo nestes casos (pessoas que nos conhecem “desde sempre”), aceitamos essa perda de autonomia muito a contragosto.
Na esfera política, entretanto, a mesma lógica não se aplica. Cidadãos zelosos das suas liberdades e preferências individuais agem como dóceis ovelhinhas, abdicando do campo aberto da liberdade em favor do cercado do paternalismo estatal, cada vez mais sufocante e claustrofóbico. Infelizmente poucos se dão conta da incoerência entre a aspiração por liberdade, comum a todos os indivíduos, e a disposição em dar cada vez mais poder a uma entidade abstrata chamada “Estado”, composta por um grupo de pessoas que não nos conhecem, não sabem das nossas preferências e, francamente, sequer se importam com a nossa existência.
Não se trata de demonizar políticos e agentes públicos. É preciso compreender, no entanto, que eles são apenas seres humanos, limitados e dotados de informações imperfeitas, buscando maximizar seus ganhos de acordo com os incentivos que lhes são dados. Como todo nós. A diferença é que, na busca por seu benefício próprio no mercado, as pessoas são levadas “como que por uma mão invisível” a buscarem o bem comum (atendimento das necessidades dos consumidores); enquanto na política as regras são outras, já que o benefício próprio (eleição ou reeleição) não passa pelo bem comum, mas sim pela capacidade em tirar de alguns (maioria da população) para distribuir a outros (pequenos grupos de pressão bem articulados).
Em artigo anterior, discuti a relação entre o tamanho do Estado e a corrupção. A despeito da necessidade (amplamente discutível) da provisão de certos bens públicos por parte do Estado, no Brasil a abrangência do governo sobre a sociedade extrapolou, já há muito tempo, o limite do razoável. E devido ao conjunto de incentivos que se colocam no nosso sistema político, nossas escolhas eleitorais acabam sendo cada vez mais reduzidas a aventureiros carismáticos, imbecis (supostamente) bem-intencionados e notórios pilantras.
Mas como mudar esse cenário? Não consigo vislumbrar outra maneira além da mudança de atitude para com o Estado. Avanços graduais em direção a incrementos de liberdade são sempre bem vindos. Mas, como ensinou Frédéric Bastiat, enquanto a maior parte da população continuar vendo o Estado como um meio de viver às custas dos demais (ignorando que é ele próprio – políticos, burocracia e grupos de pressão – quem vive às custas de todo mundo), teremos poucas chances de uma mudança substancial.
O caminho é, obviamente, longo. Essa mudança passa, necessariamente, por uma compreensão mais clara da lógica do mercado e da política. Quem quer que nutra esperanças sobre a possibilidade do surgimento de uma figura messiânica dotada da capacidade de mudar “tudo isso que está aí”, acabará se frustrando. É fundamental que tenhamos pessoas capazes, empreendedoras e corajosas para enfrentarem a luta política. Mas antes disso é fundamental que se modifique o clima de ideias predominante em nossa sociedade. Afinal, “somente ideias podem suplantar ideias” (Ludwig von Mises).
Fonte: Instituto Liberal, 26/7/2014
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