Seu João é um velho agricultor no Nordeste do Brasil. A cada safra, ele reserva algumas das sementes para replantar a sua pequena horta. Com todo o carinho, ano após ano, ele se esmera no cultivo da sua plantação de cana-de-açúcar e caju e ora para que na colheita futura seja abençoado com suculentas uvas, mangas e melões. Em São Paulo, Rafael é um médico recém-formado. Para aumentar sua renda, já fez alguns plantões no interior, mas diz que jamais pretende repetir a experiência, pois deparou-se com postos de saúde absolutamente desequipados, que inviabilizaram o seu trabalho. Assim, juntou-se às manifestações populares para protestar por “mais saúde”. Revoltou-se, porém, quando o governo anunciou o seu plano de importar médicos cubanos. Helena, por fim, é uma estudante gaúcha que utiliza o seu carro para ir à faculdade de Direito. Ela entende que o valor cobrado pelas passagens de ônibus é abusivo e, por isso, fez questão de reivindicar o “passe livre”, para que os seus colegas com condição financeira mais desfavorável consigam frequentar as aulas. No entanto, ao tomar conhecimento da sugestão do poder público de aumentar o preço da gasolina para subsidiar o valor das passagens de ônibus, Helena ficou indignada.
Os relatos fictícios buscam evidenciar um dos principais problemas verificados nas manifestações que, nos últimos dias, tomaram as ruas do Brasil. Não há dúvidas de que a unanimidade dos pleitos foi determinante para o sucesso do movimento, proporcionando a aderência de milhares de indivíduos aos protestos. A heterogeneidade dos manifestantes somente foi possível porque dificilmente algum brasileiro se posicionaria contra as bandeiras de “menos corrupção”, “mais democracia”, “mais justiça” ou ainda “melhores saúde e educação”. No entanto, se essas foram a causa do sucesso das manifestações, poderão ser também a origem do seu fracasso. Agora que a população está nas ruas, impõe-se substituir as bandeiras unânimes por pleitos mais específicos, sob pena de acabarmos como o Rafael, a Helena ou até mesmo o Seu João das histórias acima, que planta caju e cana-de-açúcar, mas espera colher uvas e melões.
Não é difícil imaginar a presidente, reunida com os seus ministros, assessores e conselheiros, confabulando que, passado o susto inicial, as coisas estão caminhando exatamente como o desejado. Afinal de contas, tranquilizam-na os seus partidários, todos os pleitos até então apresentados pelos manifestantes podem ser atendidos com mais intervenção estatal, e é justamente isso que “a casa tem oferecido”. As manifestações parecem ter atingido um momento crucial da sua existência. A sua continuidade e o seu êxito dependem, portanto, de acolher ou não as propostas até o momento apresentadas pelo poder público. Se, satisfeitos, os protestantes voltarem para suas casas, não há dúvidas de que restarão vitoriosos o governo e o seu modelo intervencionista “mais do mesmo”. Por outro lado, se, irresignados com as soluções paliativas sugeridas pelo poder público, os manifestantes prosseguirem nas ruas, pode-se cogitar que algo novo e diferente aconteça.
Nesse passo, as palavras de ordem devem ser “informação”, “conhecimento” e “conscientização”. É necessário que os manifestantes, e a população em geral, compreendam que “mais do mesmo” acabará por trazer as idênticas “soluções” que já temos hoje, as quais se encontram na origem dos protestos. É fundamental, ainda que entendam que o mesmo crápula que superfatura o estádio da Copa não terá nenhum pudor em desviar a verba destinada à construção de escolas ou hospitais. Portanto, é urgente que se conscientizem de que a solução dos problemas apresentados não exige mais intervenção do poder público, mas, pelo contrário, demanda o seu enfraquecimento, o seu afastamento da seara econômica e, por fim, a sua abstenção em regular todos os aspectos da vida privada. Somente quando os manifestantes estiverem a par de tais ideias é que poderemos clamar por mais liberdade, ou então esse também se tornará um pleito unânime, desprovido de qualquer valor e surrupiado pelo governo para o atingimento dos seus mais nefastos objetivos.
Fonte: “Fórum da Liberdade Insights”
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