Por Maurício Caleiro
Intitulado, em ato de ironia involuntária, 1º Fórum Democracia e Liberdade de Expressão, o convescote que reuniu, a R$500,00 por cabeça, barões da imprensa, seus asseclas e a nata do pensamento neocon, representa uma tentativa pública e portanto explícita de articulação dos principais grupos de mídia corporativa, não só para defesa de algumas de suas demandas institucionais, mas – o que é mais preocupante – para definição de estratégias de atuação político-eleitoral em conjunto.
Segundo aponta o jornalista Gilberto Maringoni no artigo “O rosnar golpista do Instituto Millenium”, seria a primeira vez que a plutocracia midiática reune-se publicamente para estabelecer plataformas comuns de ação política desde as vésperas do golpe de 1964.
Em artigo neste Observatório, Luiz Egypto dissecou não apenas o objetivo principal do convescote – unir forças contra qualquer tentativa de regulamentação da atividade comunicacional, chamada pelos barões da mídia de censura –, como identificou a estratégia implícita de instaurar a confusão, através da profusão de ideias polêmicas – já que, em suas palavras, “o embaralhamento da discussão interessa sobremaneira àqueles que querem evitar o debate sobre o papel da mídia numa sociedade que se quer democrática”.
Ora, o debate desse e de outros temas talvez menos centrais mas igualmente polêmicos, como a variedade de opiniões nos meios de comunicação ou ao menos a busca pela inatingível imparcialidade nas coberturas, constitui condição primordial para o exercício da democracia – a mesma que o baronato midiático reunido num hotel noveu riche afirma querer defender. A própria Folha de S.Paulo, no tempo em que era um veículo com alguma respeitabilidade, valeu-se, por um longo tempo, da pluralidade de visões alegadamente oferecida pelo jornal como um dos principais instrumentos de marketing a conectá-lo com os pressupostos da democracia.
A menção à Folha não é vã: durante décadas, o jornal dos Frias (e a Veja, esta mais concentrada nas práticas jornalísticas do que na ética) foram os órgãos da imprensa nacional que mais se jactaram por alegadamente implementar protocolos profissionais em todas as etapas da produção da notícia – um processo minuciosamente descrito por Carlos Eduardo Lins da Silva no livro Mil Dias, e que culminaria com a adoção de um Manual de Redação particularmente atento a impasses éticos.
A distância entre o que tal referência textual apregoava e a prática real e cotidiana sempre foi substancial, ficou ainda mais pronunciada durante a crise da imprensa da era Lula, e agora, a depender dos desdobramentos do convescote, parece prestes a tornar-se irreconciliável.
Trégua no Fla-Flu
Mas o caso parece ser ainda mais grave do que um pronunciado esgarçamento na ética jornalística: como se pode deduzir de artigo de Bia Barbosa reproduzido neste Observatório, quando grupos de mídia representados no convescote passam, em nome tão-somente do que acham que pode vir a acontecer, a discutir ações conjuntas contra uma determinada candidatura presidencial, estão deixando de cumprir funções inerentes à imprensa e passando a privilegiar a defesa de seus interesses enquanto corporações capitalistas.
Faz-se necessário, pois, suspender por um momento o acirrado Fla-Flu político-partidário em que ora nos encontramos e, em nome da qualidade do jornalismo e de sua efetividade como instrumento de mediação entre público, instituições e fatos, debater alguns dos outros temas levantados por tal convescote, tendo como parâmetro principal o aprimoramento da democracia no país.
Analisemos inicialmente a proposta de abandonar um dos pressupostos básicos para o exercício de um jornalismo democrático e plural: deixar de ouvir o outro lado. Seria tentador ironizar e dizer que, de forma recorrente e em algumas das matérias mais impactantes das principais publicações, o outro lado já não é, há muito, ouvido – e que, de forma ainda mais recorrente, quando o é suas respostas ocupam um espaço tão menor e são tão editadas que a razão de ser de ter sido ouvido – permitir um contraponto defensivo – não se dá em termos efetivamente justos.
Ainda assim, a proposta de simplesmente abolir o direito à defesa de um cidadão ou empresa acusado em uma matéria da imprensa, preferencialmente no mesmo espaço da publicação da acusação, transcende o rol das práticas jornalísticas que precisam de urgente aprimoramento e ingressa numa zona indefinida entre o mau jornalismo e a permissividade acusatória leviana que sequer pode ser qualificada de jornalismo.
Outro aspecto só aparentemente menor do evento foi a convocação, em altos brados, para que os órgãos de imprensa participantes adotassem uma postura agressiva, incisiva e enérgica contra uma das candidaturas presidenciais. Vamos regredir à era dos panfletos políticos, é isso? Qual o próximo passo, convocar, ao amanhecer, duelos entre jornalistas e cabos eleitorais?
Partido de fanáticos
Aparentemente a única das recomendações aproveitáveis a sair das cabeças pensantes ali reunidas foi a de que os órgãos de imprensa assumam claramente, ante o leitor, que apoiam determinada candidatura. Trata-se de uma demanda antiga em relação ao jornalismo brasileiro, aplicada com sucesso por jornais norte-americanos – incluindo o The New York Times.
Porém, não somente há dúvidas se tais órgãos de imprensa irão de fato acatar tal sugestão, como é difícil imaginar sua aplicabilidade na prática. Tomemos o Jornal Nacional como exemplo: William Bonner vai diariamente informar aos milhões de Homers Simpsons que o noticioso que apresenta apoia a candidatura X? Só uma vez, no início e no fim do telejornal ou a cada intervalo comercial? O leitor consegue imaginar tal ato de fato acontecendo em plena Rede Globo?
A ironia, de fato, se impõe. Afinal, em meio a uma de suas maiores crises, ameaçado comercialmente pela internet – cujo potencial de crescimento, aliado ao baixo custo de acesso, é enorme –, vendo sua outrora celebrada capacidade de “formar opiniões” largamente contestada e na iminência de passar mais quatro anos tratado a água e pão por uma força política que rechaça, a imprensa, ao invés de buscar aprimorar-se, dialogar e mostrar-se criativa e agregadora de público, age como um partido de fanáticos – exatamente como lhe acusa a blogosfera de esquerda– e parte quixotescamente para o confronto aberto.
http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=580JDB003
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