Para fechar suas contas, o governo aposta em receitas incertas e, novamente, avança no bolso do cidadão
“Desde o primeiro dia nós temos promovido eficiência no governo. Demos transparência às contas públicas e estamos tratando com seriedade o dinheiro dos pagadores de impostos.” A declaração do presidente Michel Temer, feita no mesmo dia em que o governo decidiu aumentar PIS e Cofins sobre os combustíveis, escancara justamente o oposto: a ineficiência de sua gestão. A medida apela ao bolso do cidadão e às empresas para elevar em R$ 10,4 bilhões a arrecadação e cumprir sua meta deste ano, de limitar a R$ 139 bilhões o rombo das contas – mais especificamente, o déficit primário, diferença entre receitas e despesas, sem contar o pagamento de juros. Temer também disse que o povo entenderá. A população entenderá, certamente, que os congressistas mostraram nos últimos meses mais empenho em arrancar nacos do orçamento e em perdoar grandes devedores da Receita Federal e menos em lidar com as reformas necessárias, como a da Previdência. O povo entenderá também que a falta de planejamento e o excesso de gastos do governo ameaçam mergulhar o país numa espiral recessiva. A produção fraca prejudica a arrecadação, que o governo tenta compensar cobrando mais tributos, o que enfraquece ainda mais a produção.
Quando o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, assumiu o posto, em maio de 2016, a dívida bruta sobre o Produto Interno Bruto (PIB) do país, um importante sinalizador de sua saúde fiscal, estava em 67,7%. Não é culpa da atual equipe econômica, mas, um ano depois, a dívida cresceu para 72,5%. Em meio à crise política e à fraqueza da arrecadação, o governo recorreu ao aumento de tributos. Mesmo assim, o cumprimento da meta neste ano segue sob ameaça. O governo conta com receitas extraordinárias, ou seja, que não se repetem ano a ano. Já diminuiu em R$ 5,8 bilhões a projeção de receitas para este ano. Foram reduzidas, entre outras, as estimativas de arrecadação com concessões de infraestrutura.
O perigo de não atingir a meta acendeu a luz amarela do Tribunal de Contas de União (TCU). Em 12 de julho, o órgão alertou que, sem medidas compensatórias, haveria “risco concreto de frustração das arrecadações”. Nas contas do tribunal, isso aprofundaria o rombo do governo para R$ 161 bilhões neste ano. Um número crescente de economistas e analistas de mercado se mostra reticente sobre a capacidade do governo de atingir seu objetivo. “A instabilidade política respinga nas condições de mercado para a venda de ativos e também para as concessões, que representam cerca de metade das receitas extraordinárias”, avalia Luiz Castelli, economista da GO Associados. A consultoria estima que o déficit fique em torno de R$ 143 bilhões.
Em sua última projeção, antes do anúncio do aumento de tributos na semana passada, a Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão do Senado que acompanha as contas públicas, projetou um rombo parecido com o da GO, de R$ 144,1 bilhões. Além da incerteza com o resultado da venda de ativos, a entidade citou dúvidas com o novo Refis (parcelamento de dívidas com a Receita Federal) – os congressistas deformaram o projeto do governo, a fim de perdoar devedores, e diminuíram ainda mais a arrecadação prevista. “Pensar que todo o ajuste seja feito só no lado da despesa é ilusório”, disse o diretor executivo da entidade, Felipe Salto. Menos de 10% do orçamento é passível de cortes adicionais. Com o teto de gastos vigente, essa margem tende a ficar cada vez mais comprimida, já que a inflação (índice usado para corrigir o limite de gasto) recua e os gastos com aposentadorias aumentam.
Desde a crise global de 2008, o governo apela para receitas extraordinárias para fechar as contas. Neste ano, no entanto, o desafio é maior, devido à arrecadação frágil, que mostra uma recuperação ainda incipiente da atividade econômica em geral. No primeiro semestre, a arrecadação cresceu apenas 0,77% (já descontada a inflação). O resultado só foi positivo devido à alta das receitas com royalties do petróleo.
Em Brasília, o risco de frustração de receita foi batizado de “três Rs”: o Refis, a reoneração da folha de pagamentos das empresas e a segunda edição do programa de repatriação de recursos. No primeiro caso, do Refis, a estimativa de mais de R$ 13 bilhões despencou para R$ 416,8 milhões, após o relatório do deputado Newton Cardoso Júnior (PMDB-MG), que desfigurou o projeto original ao elevar os descontos máximos sobre juros e multas de devedores. No segundo caso, no retorno da cobrança sobre a folha de pagamentos, a chamada reoneração, a estimativa de levantar R$ 2 bilhões foi frustrada devido ao adiamento da medida para 2018. O governo briga no Congresso para reverter essas decisões. E, por fim, dos R$ 6,7 bilhões esperados com a repatriação, até agora entraram apenas R$ 900 milhões. Do lado positivo, mas insuficiente para compensar essas perdas, foi aprovado, em junho, o projeto de lei que permite ao governo usar o dinheiro de precatórios, dívidas para com o poder público resultantes de ações judiciais. A medida tem potencial de arrecadar R$ 10,2 bilhões. Mesmo assim, o diagnóstico final é amargo.
Por isso, o governo descartou a liberação de até R$ 4 bilhões para despesas que estavam congelados, a possibilidade havia sido aventada nas últimas semanas devido ao impacto da restrição orçamentária na vida dos cidadãos. A falta de verba fez a Polícia Rodoviária Federal reduzir o policiamento nas estradas e a Polícia Federal suspender a emissão de passaportes (Temer sancionou um projeto emergencial que libera R$ 102,3 milhões para a impressão do documento). O congelamento afetou, sobretudo, investimentos em infraestrutura e prejudicou o funcionamento de universidades públicas, agências do INSS e o sistema de fiscalização de alimentos do Ministério da Agricultura, entre outros. O zelo fiscal falou mais alto e, em vez de liberar recursos, o governo congelou mais R$ 5,9 bilhões do orçamento.
Na sexta-feira, dia 21, o ministro do Planejamento, Dyogo Oliveira, admitiu que o novo bloqueio dificulta a atuação do Estado, mas refutou a ideia de parada da máquina pública por falta de recursos. Ele apelou ao Congresso para rejeitar medidas que reduzam receitas e aprovar a reforma da Previdência. “Cerca de 57% da despesa do governo neste ano será voltada ao pagamento de benefícios previdenciários”, disse. Em 2017, os gastos passíveis de Corte somam R$ 132,8 bilhões. O congelamento atual, de R$ 44,9 bilhões, representa um terço de tudo o que o governo pode cortar.
Entre todas as alternativas do governo, a mais extrema, segundo uma fonte gabaritada do governo, é rever a meta. Isso indicaria vulnerabilidade da política econômica diante da crise política, um péssimo recado aos investidores. “Se houver qualquer problema com leilões ou concessões, podemos tirar essa projeção de receita da perspectiva do ano e colocamos outras que não iriam entrar antes. É um balanço de risco com que vamos trabalhando”, afirmou a fonte.
Por ora, a opção de elevar o PIS e a Cofins sobre os combustíveis foi tomada graças a seus efeitos imediatos, sem dependência do Congresso e com repasse integral à União. A nova alíquota entrou em vigor na sexta-feira, dia 21. A Cide, outro tributo que ainda pode ser elevado, demoraria três meses para começar a arrecadar e sua receita é dividida entre União e estados. Outro argumento que pesou foi o baixo impacto inflacionário, de cerca de 0,50 ponto percentual. As maiores altas recaíram sobre a gasolina e o diesel (praticamente dobraram), mas o etanol também foi incluído. Entidades como a Frente Nacional dos Prefeitos (FNP) e a Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp) reprovaram a decisão. Em nota conjunta dos ministérios do Planejamento e da Fazenda, o aumento foi considerado “absolutamente necessário, tendo em vista a preservação do ajuste fiscal e a manutenção da trajetória de recuperação da economia brasileira”. Caso a frustração de receitas supere a estimativa, o governo cogita aumentar o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) sobre operações de câmbio à vista e de crédito. “A expectativa agora fica sobre o Banco Central e como eles entenderão a alta de tributos, ou seja, se abrirá espaço para serem menos agressivos” – ou seja, passarem a cortar os juros mais lentamente –, diz Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados.
Mesmo com a reavaliação das contas, o cenário deve continuar nebuloso, em meio à indecisão sobre a permanência de Temer no poder. “O mercado torce por uma definição rápida (da crise política). Se Temer cair, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, assumir e forem mantidas a equipe e a política econômica, dinheiro pode entrar no país”, diz Castelli, da GO. A votação sobre o arquivamento ou não da denúncia contra o presidente deve acontecer no dia 2 de agosto, na volta do recesso parlamentar.
Em meio à persistência da crise política, quem estiver no poder deverá dar sinais muito claros de que administrará de maneira mais eficiente o dinheiro público. Corte de gastos duros e alta de impostos emergenciais são medidas paliativas, adotadas em ajustes fiscais desde a implementação do Plano Real. O que não se viu até agora é um plano de voo crível, para médio e longo prazo, que leve o governo a gastar menos e melhor e a atingir a tão almejada sustentabilidade das contas. A aprovação da reforma da Previdência se torna imperativa. Um plano mais agressivo de privatizações e uma contínua reforma administrativa do governo também seriam medidas bem-vindas. Se nada for feito, a sociedade seguirá arcando com o custo da ineficiência e da visão imediatista de políticos e governantes.
Fonte: “Época”
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