Diz-se que Michel Temer vai atender ao pedido do deputado Paulinho da Força, do Solidariedade – partido com apenas catorze deputados –, para recriar o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), cuja tarefa básica era a reforma agrária. Trata-se de tema do século XIX, que adquiriu alguma atenção no século XX e se tornou irrelevante no século XXI.
A reforma agrária é a razão de ser do MST. No regime militar, visava à promoção econômica no campo. Outros a viam como fonte de ascensão social, o que justificou a criação do MDA pelo presidente Sarney. Acontece que o certo é beneficiar os camponeses de baixa renda com programas sociais. Pessoas de menor nível educacional dificilmente se tornam produtores eficientes nestes tempos de agricultura de precisão e de outras conquistas da tecnologia. Reforma agrária é, pois, desperdício de recursos.
Prova-se, mais uma vez que, no Brasil, ministério é uma espécie de fetiche. Nada é relevante se não estiver sob a guarda e os benefícios de um deles. Vem daí o crescimento sistemático das pastas ministeriais. Passamos de sete no governo Washington Luís, o último da Velha República (1889-1930), para 39 com Dilma. Ideias nunca faltaram: Ministério do Vale do São Francisco, Ministério da Amazônia e muitos outros. Lula inventou até a pasta da Igualdade Racial, quando a ciência já havia provado que não existe raça, apenas cor da pele.
Mais uma mostra recente foi a mobilização de artistas, diretores de cinema e tantos outros pela recriação do Ministério da Cultura, que o presidente interino havia incorporado ao da Educação. Talvez receando ondas contra a aprovação do impeachment de Dilma, Temer cedeu e recriou a pasta. Na verdade, confundiu-se política pública de cultura – que não seria descontinuada – com ministério.
Nos países mais ricos, o número de pastas é menor. São quinze nos Estados Unidos, catorze na Alemanha, 21 no Reino Unido (incluindo uma temporária, que cuidará das ações relativas à sua saída da União Europeia), dezoito na França, dezesseis na Itália, dezenove no Japão.
Não há pasta da Cultura nos Estados Unidos, mas o país tem uma forte política cultural. Ela é parte do soft power, isto é, a habilidade de influenciar, por meios culturais e ideológicos, comportamentos coincidentes com os seus interesses. Para Joseph Nye, o criador da expressão, soft power é o meio de cooptar outros “para que queiram o mesmo que você”.
No Brasil, a preferência por ministérios, mesmo sem políticas públicas apropriadas, traduz o interesse de criar canais de acesso ao governo federal, normalmente para obter incentivos fiscais, crédito subsidiado, reservas de mercado, proteção contra a concorrência externa e outras vantagens. Afirma-se que o esporte e o turismo somente se desenvolverão se forem mantidos os ministérios específicos. Pura balela.
Ministérios no Brasil cresceram como praga. Nos quinze anos à frente do governo (1930-45) e nos três como presidente constitucional (1951-54), Getúlio criou apenas quatro pastas, aumentando-as de sete para onze. Com JK (1956-61), o número subiu para quinze. De lá até o último presidente do regime militar (Figueiredo, 1979-85), o total de ministros ficou em torno de vinte. Com a redemocratização, passou a crescer rapidamente: de 25 com Sarney (1985-90) aos 39 de Dilma (2011-16).
Nos meus tempos na administração direta da União (1977-90), sabia de cor todos os ministérios e o nome dos seus ministros. Isso ficou cada vez mais impraticável. Lula criou tantos ministérios que um amigo espirituoso me disse suspeitar da existência do Ministério da Caça… já que havia o da Pesca. E vale perguntar: justifica-se ter uma pasta da Pesca em um país relativamente pobre de recursos pesqueiros?
Michel Temer reduziu os ministérios para 24, incluindo-se o recriado da Cultura. E assim nos livrou de ver aquela enorme mesa dos tempos petistas, que reunia uma penca de ministros, muitos nunca lembrados. Dificilmente o país precisaria de tantos.
Ministérios no Brasil servem para barganhas políticas e para confirmar a crença na força providencial do Estado. Mas o que vale são boas políticas, e não um monte de cargos ministeriais.
Fonte: “Veja”, 24 de agosto de 2016.
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