A participação política e a livre expressão de ideias são elementos democráticos fundamentais em uma sociedade. No último fim de semana, houve manifestações por todo o Brasil (na sexta dia 13, e no domingo dia 15). A composição, número de participantes e objetivos variou nesses dois dias. Um aspecto, entretanto, apresentou um caráter muito semelhante. Pesquisa do DataFolha publicada no dia 17 deu conta de que 85% dos manifestantes do domingo afirmaram que a democracia é a melhor forma de governo. Para a manifestação de sexta-feira, o percentual é quase idêntico: 86%. O restante se divide entre os autoritários, que acreditam que em determinadas circunstâncias uma ditadura é preferível (6% dos entrevistados na sexta e 10% dos entrevistados no domingo), e aqueles que têm uma atitude de ambiguidade ou indiferença, afirmando que tanto faz se o governo é uma democracia ou uma ditadura (5% na sexta e 3% no domingo). A diferença dos índices nos dois dias ficaram dentro da margem de erro da pesquisa.
Esses dados são muito positivos, especialmente se comparados à amostra geral da população. Os dados do survey “Brasil, 25 anos de democracia” (2014) apontaram, em pergunta idêntica, que no Brasil os que se afirmam democratas são 61,6%; os autoritários 17,9% e os indiferentes 11,5%. Ou seja, pelo espectro positivo, a tendência foi dos mais democratas de irem às ruas (e dos mais autoritários de ficarem em casa) em ambos os dias. Não obstante, o aspecto que desperta atenção é que esse número relativo a 2014 é pior do que o registrado em 2006. Naquele ano, os dados registraram números mais positivos: 71,4% de democratas, 14,2% de autoritários e 6,9% de indiferentes. Além dessa queda dos que se afirmam como democratas, o outro sinal de alerta é que existe uma parcela mais autoritária na sociedade – ainda que minoritária e ainda não significativamente mobilizada – que não é desprezível.
[su_quote]Tanto o “fora FHC” quanto o “fora Dilma” foram expressões legítimas de descontentamento de setores da sociedade[/su_quote]
Do ponto de vista democrático, então, podemos comemorar os números do fim de semana. Se queremos nos preocupar com movimentos autoritários, não é nas recentes mobilizações que devemos procurar. O problema é que em momentos de crise econômica e política – como a atual – há sempre o perigo deste grupo que ainda não aderiu aos princípios democráticos se mobilizar em prol de soluções autoritárias (seja à esquerda, seja à direita). Mais do que nunca, precisaríamos de uma forte presença de lideranças políticas democráticas – do governo e da oposição – para apontar caminhos que superassem esse momento difícil dentro das regras democráticas pactuadas. Por enquanto, infelizmente, não foi isso o que temos presenciado.
Em tempo: o impeachment é um instrumento constitucional e democrático. Este é um procedimento sério e que prevê requisitos jurídicos e políticos específicos para o seu pedido. O simples descontentamento com o governante da vez, ainda que generalizado, não é motivo suficiente para a sua aplicação. Até agora, não existem esses elementos qualificados que permitiriam esse pedido (aliás, nem a oposição o pediu até agora). Não obstante, sendo o procedimento previsto nas regras do jogo democrático, o simples fato de pedi-lo nas manifestações não se configura como golpe ou autoritarismo. No início dessa semana, o governo (pelo menos nesse ponto) parece ter abaixado o tom, tentando jogar água na fervura e se distanciar da gritaria das redes sociais e de certos setores do PT que falaram inicialmente em golpe. Devem ter se lembrado do “fora FHC” que o PT promoveu em 1999 após a reeleição de Fernando Henrique Cardoso. Tanto o “fora FHC” quanto o “fora Dilma” foram expressões legítimas de descontentamento de setores da sociedade. Cabe aos agentes políticos, no ambiente de instituições democráticas maduras – e não ao cidadão comum – avaliarem se as regras do jogo foram violadas, dando sequência aos procedimentos cabíveis. Cabe ao cidadão expressar sua opinião.
Fonte: blog do Nuno Coimbra Mesquita, março/2015
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