Logo após a manifestação de descrença da presidente acerca da sua descrença quanto a “políticas de combate à inflação que olhem (sic) a redução do crescimento econômico”, o mercado de juros registrou volatilidade considerável. Isto, em si, é revelador sobre a confiança que o mercado deposita na autonomia decisória do Banco Central (BC), mas, face à obviedade do tema, nem vale a pena entrar em considerações mais detalhadas.
Por outro lado, é interessante aprofundar essa relação pouco compreendida, que tem levado a seguidos equívocos, como o cometido pela presidente. A começar porque a ligação não se dá, estritamente falando, entre inflação e crescimento, mas sim entre aquela e alguma medida da “folga” na economia, ou “hiato do produto” no jargão da profissão, a distância entre o nível efetivamente observado do produto e seu potencial.
A intuição por trás desta ideia não é complicada. À medida que a produção se expande, impulsionada pelo crescimento da demanda, os custos por unidade produzida devem aumentar, pois tanto trabalhadores como máquinas menos produtivos passam a ser gradativamente utilizados. Tais custos são repassados aos produtos finais, em maior intensidade no caso de bens pouco sujeitos à concorrência externa e menor no caso contrário.
Associa-se, assim, a cada nível de produção uma determinada pressão sobre os preços. O nível de produto potencial seria aquele ao qual estivesse associada inflação estável e igual à meta. Níveis superiores, portanto, pressionariam preços além do compatível com a meta; já níveis mais baixos seriam consistentes com inflação em queda.
Note-se que este fenômeno nada tem a ver com a chamada “inflação de custos”, associada a eventos que causam redução na quantidade produzida, enquanto aqui nos referimos a custos associados à expansão da produção.
Também se depreende das definições acima que a relação entre inflação e crescimento é mais fluida do que a suposta pelo senso comum. Caso uma economia saia de uma situação de produto muito inferior ao potencial, seu crescimento pode ser rápido, aproveitando recursos até então desempregados. Enquanto houver folga apreciável, este crescimento acelerado não deve levar à aceleração inflacionária, pelo menos até que a economia comece a se aproximar do potencial.
Da mesma forma, uma economia com baixo crescimento pode enfrentar taxas elevadas de inflação, desde que seu produto esteja acima do potencial. Na verdade, aliás, o baixo crescimento pode, inclusive, refletir dificuldades de expansão da oferta, por conta de restrições de mão-de-obra, ou mesmo capital, por exemplo, infraestrutura.
Posto de outra forma, ao contrário da afirmação presidencial, não há nada anômalo na infeliz combinação “pibinho-inflaçãozona”. Pelo contrário, é o resultado esperado de uma economia cujo baixo crescimento, nas palavras do nosso insuspeito BC, “se deve essencialmente a limitações no campo da oferta”. Há maneiras mais rigorosas de iluminar esta questão, mas sugiro ao escasso leitor uma vista d’olhos no gráfico que ilustra esta coluna.
Usamos como medida de utilização de recursos na economia uma combinação entre a taxa de desemprego (na verdade seu complemento) e o nível de utilização de capacidade instalada no setor industrial, ponderados pelas participações respectivas de trabalho e capital na renda. A medida de inflação, por sua vez, é uma média dos núcleos calculados por médias aparadas (com e sem suavização de preços regulados) e pela exclusão de preços de alimentos no domicílio e preços regulados.
A vantagem de usarmos medidas de núcleo de inflação é óbvia: por construção estas medidas eliminam (ou atenuam) choques de oferta, em particular os relacionados a preços de alimentos, tornando difícil afirmar que sua aceleração resulte de choques agrícolas ou de tarifas públicas. Já o uso da média dos núcleos me impede de escolher a posteriori uma medida mais favorável à minha tese.
O gráfico é eloquente, ainda mais porque, em nome da simplicidade, deixamos de fora variáveis relevantes, em particular expectativas de inflação. Mesmo assim a relação (defasada) entre o nível de utilização de recursos na economia e a inflação se torna visível, revelando a associação entre a aceleração recente da inflação e a redução da ociosidade.
Fica claro, portanto, que, para reduzir a inflação não há alternativa à menor utilização dos recursos, ou seja, crescimento mais lento. A presidente pode, é claro, não acreditar nisso e insistir na atual política de desoneração, mas acabará por colher inflação ainda maior, e aí veremos a quem cabe a culpa da “manipulação inadmissível”.
Fonte: Valor Econômico, 04/04/2013
No Comment! Be the first one.