O melhor mês de setembro da história do comércio exterior brasileiro foi garantido principalmente pela exportação de commodities, isto é, de matérias-primas e produtos semimanufaturados. Essas duas categorias proporcionaram 63,6% da receita de US$ 23,3 bilhões contabilizada no mês. Um ano antes, a participação havia sido de 60,3%. O próprio governo parece dar pouca importância a esse detalhe, embora insista em agitar a bandeira de uma até agora inexistente política industrial e de competitividade. De janeiro até o mês passado o País faturou US$ 119,8 bilhões com a exportação de básicos e semimanufaturados, 63% dos US$ 190 bilhões obtidos com as vendas ao exterior. O saldo comercial do ano, US$ 23 bilhões, já superou o de todo o ano de 2010, US$ 20,2 bilhões. O secretário executivo adjunto do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Ricardo Schaefer, atribui esse resultado à diversificação de mercados: “Se tivéssemos concentrado (as vendas) apenas nos mercados europeu e americano, já estaríamos sentindo um arrefecimento (…) Como não colocamos todos os ovos na mesma cesta, isso nos permite ter uma condição melhor de resistir à crise”. Mas quem teria proposto uma distribuição imprudente dos ovos?
O Brasil é descrito como “global trader” há mais de três décadas. Qualquer pessoa informada sobre história econômica sabe disso. Nunca esteve em pauta, nesse período, o dilema de concentrar ou diversificar as parcerias. A diversificação maior, a partir dos anos 90, resultou em parte das mudanças globais, incluído o surgimento da China como potência comercial e grande consumidora de produtos básicos. Na virada dos anos 90 para a década seguinte o governo já trabalhava para ampliar as vendas à China e à Rússia. Se houver dúvida, consultem-se arquivos de jornais e do Ministério.
Se a opção entre concentrar e diversificar o comércio nunca esteve em pauta, qual foi de fato a grande escolha dos últimos anos? A resposta é dada pela seleção de “parceiros estratégicos”. Essa qualificação foi atribuída à China e à Rússia, por exemplo.
O mercado russo absorve grande parte das exportações brasileiras de carnes, mas o Brasil tem sido negligenciado na distribuição de cotas, enquanto Estados Unidos e União Europeia recebem tratamento preferencial.
A China tornou-se a maior fonte de receita cambial para o Brasil, mas praticamente só importa primários e semimanufaturados. Nessa relação, o Brasil assume o papel quase colonial de fornecedor de produtos básicos e comprador de manufaturados, vendidos com câmbio depreciado e preços formados de modo pouco transparente. Ninguém precisaria ser um estrategista excepcionalmente sagaz para perceber o atrativo de um mercado em rápida expansão, como o chinês. O governo brasileiro, no entanto, ideologizou a aproximação com a China.
Os chineses, muito mais práticos, têm agido de outra forma. Não desprezaram o mercado americano nem o europeu, enquanto o governo brasileiro deu precedência a uma fantasiosa relação Sul-Sul. Com isso, negligenciou as possibilidades de acordos comerciais com os Estados Unidos e com a União Europeia, deixando espaço para chineses e outros competidores.
O Brasil nada perderia se houvesse dado mais atenção a esses mercados. Os produtores brasileiros sentiriam os efeitos da crise no mundo rico, mas ganhariam mais do que vêm ganhando. Neste ano, até agosto, 44,4% (US$ 7,3 bilhões) das exportações para o mercado americano foram de manufaturados. Em 2010, a participação foi de 51,6%. Neste ano, em oito meses, a indústria brasileira vendeu à União Europeia US$ 11,6 bilhões de manufaturados, 33% do total. Nas vendas à China esse item proporcionou apenas US$ 1,2 bilhão, 4,5% do valor exportado. Resumo: em 2011, a indústria brasileira vendeu à China um sexto dos manufaturados vendidos ao mercado americano e um décimo dos enviados à União Europeia.
O País poderia ter vendido mais tanto à Europa quanto aos Estados Unidos, se a sua diplomacia econômica tivesse sido menos ideológica e mais competente em termos comerciais. Isso não implicaria perda em relação à China, até porque o mercado chinês continua sendo um insaciável devorador de produtos básicos. Se alguém errou na distribuição dos ovos, foi o governo petista. Nem foi erro de cálculo, mas tolice ideológica. Ao mesmo tempo, o governo descuidou das condições de competitividade, apesar de seu falatório sobre política industrial. Neste ano, a produção da indústria tem fraquejado, mas não a demanda interna. A diferença aparece nas importações de bens de consumo e de bens intermediários – e na inflação, é claro. O resto é conversa.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 05/10/2011
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