Estamos mergulhados numa crise que parece não ter fim. É política, pelo impasse permanente entre governo e Congresso, acirrado por uma briga de bastidores entre PMDB e PT; é econômica, gerada pelos movimentos erráticos da política da nova matriz econômica do primeiro mandato.
Na economia, a recessão é uma realidade, com perspectivas de retração acima de 3% neste ano e de 2% em 2016; dadas as dificuldades de fazer passar o ajuste fiscal, a desconfiança dos agentes aumenta ainda mais, pesando sobre a taxa câmbio, que dispara a cada semana, já tendo passado de R$ 4, levando junto a inflação e forçando a uma postura mais vigilante do Bacen no balizamento da taxa de juros. Sendo assim, avançar no ajuste fiscal se torna urgente, tanto pelo choque de credibilidade favorável que ensejaria, como também pelo esforço de organizar as contas públicas, melhorar na qualidade dos gastos, criar uma “ponte” para a agenda de reformas, tão defendida pelo ministro Levy.
Antagonismos– Mesmo com todo este caos instalado, ainda existem opiniões anacrônicas na academia (mais nas universidades públicas), entre grupos de esquerda, intelectuais do PT, que defendem um “capitalismo de Estado”, achando haver uma conspiração das elites (e da mídia) contra o governo popular do PT (ou populista?). Para eles, o ajuste fiscal é recessivo e, por isto, precisa ser relaxado. Em debate recente na TV, no programa “Entre Aspas” da Globonews, as intervenções de um de seus expoentes, o “economista” Marcio Porchman (ex-IPEA e presidente da Fundação Perseu Abramo), sobre a situação econômica do país, bem expressaram esta visão.
Para ele, “o ajuste fiscal em curso está jogando o país numa recessão, promovendo a deterioração das contas públicas e a redução da capacidade de atuação do Estado em prol do desenvolvimento. Mais grave vem sendo a regressão no emprego, salários, no poder aquisitivo das famílias, nas políticas sociais”.
Não nos parece sérias estas considerações. Mais parece oportunismo político, uma estratégia visando criar um contraponto à política econômica atual da presidente Dilma, mesmo que envergonhada, apoiando o ajuste fiscal. Parece, na verdade, um esforço, totalmente inútil, de jogar o fracasso do ajuste fiscal numa suposta visão equivocada do ministro Levy, de que só com o ajuste será possível reduzir o juro e retomar o crescimento. O péssimo primeiro mandato seria então jogado para debaixo do tapete. Seria uma alternativa dos “puros do PT”, tentando salvar o partido, e, talvez o retorno do já candidato Luiz Ignácio Lula da Silva à presidência em 2018.
Na opinião de Porchman, “a drástica recessão que vivemos hoje é fruto do duro ajuste fiscal conduzido pela dupla Joaquim Levy-Nelson Barbosa. Os juros devem ser fortemente baixados e o aperto fiscal relaxado, com retomada dos investimentos públicos. Resultante disto, a retomada do crescimento seria possível, recuperando a arrecadação e contribuindo para reequilibrar as contas públicas”. Totalmente anacrônico.
Estaríamos, com este torto diagnóstico, repetindo os erros da nova matriz macro, ao longo do primeiro mandato, voltando a acionar a máquina de gastos do governo, elevando a demanda agregada, piorando ainda mais o déficit nominal (atualmente em 9,2% do PIB), impactando na dívida pública e pressionado os “preços da economia”, juro, câmbio e inflação.
E os heterodoxos?– Muitos economistas heterodoxos não concordam com isto. Para o economista da UFRJ, José Oreiro, por este receituário irresponsável, propor aumento de gastos e redução de juro seria o mesmo que colocar “gasolina na fogueira”. “No dia seguinte, o dólar dispararia, passando de R$ 5, as taxas longas iriam a 20% e as expectativas inflacionárias piorariam, trazendo de volta o fantasma da reindexação”.
Segundo ele, “numa economia em que a inflação está perigosamente perto de 10% a.a, que o déficit em conta-corrente acumulado nos últimos 12 meses está perto de 4% do PIB, que corre o risco de ser rebaixada por uma segunda agência de rating, perdendo assim o grau de investimento, o que levaria à saída dos investidores institucionais do mercado de renda fixa e variável no Brasil, onde o déficit nominal do setor público consolidado está perto de 10% do PIB no acumulado dos últimos 12 meses, a solução é baixar os juros na marra e meter pau na máquina aumentando os gastos do governo? Sei que no modelo keynesiano simplificado funciona desse jeito, mas num modelinho um pouco mais complicado, no qual as relações financeiras sejam importantes, o resultado é um pouco diferente, para dizer o mínimo.” Ou seja, seria um desastre completo.
Na verdade, estas críticas de José Oreiro revelam que o racha entre os heterodoxos é uma realidade. Oreiro é de uma linha mais “moderna”, chamada “novo desenvolvimentista”, enquanto que a turma que apoia o governo é mais ligada à UNICAMP, chamada “social desenvolvimentista”. São costelas do mesmo corpo, mas com nuances, diferenças em alguns pontos, algumas pontuais, outras mais profundas. Oreiro, por exemplo, não se furta de criticar o diagnóstico desta turma, para ele um “suicídio completo”.
Na mesma linha, estariam Bresser Pereira, Yoshiaki Nakano, Marcos Marconi, mais ligados a FGV de São Paulo, um think tank chamado “Grupo Reindustrialização”. Em documentos recentes pregam “um novo arranjo macro, com juros básicos e de mercados mais baixos, câmbio mais competitivo, redução da tarifa de importação”, mas sem perder de vista a necessidade de um rigoroso ajuste fiscal, de uma rearrumação das contas públicas.
O que achamos– Não querendo nos estender muito sobre este debate, achamos que estas “ideias” do PT, com ataques à política fiscal do ministro Levy, são apenas a tentativa de relativizar o fracasso anterior, apagar os erros do primeiro mandato. Bem sabemos que este período foi marcado pela má gestão fiscal, políticas anticíclicas mantidas por tempo demasiado e excessivas intervenções do Estado em variadas relações contratuais, como no represamento do preço da gasolina, redução das tarifas de energia, excesso de subsídios (créditos fiscais) aos bancos, “campeões nacionais”, dentre tantas distorções. Não poderíamos também deixar de citar o excessivo aparelhamento do setor público, em especial das estatais, o que acabou resultando no maior escândalo de corrupção da República (Operação Lava-Jato). Ajudaram a contribuir para o momento caótico que vivemos. Nada tem a ver o ajuste fiscal, por ora, em curso.
Enfim, as manifestações da Fundação Perseu Abramo expressaram a que ponto pode chegar um partido na busca incessante pelo poder. Já não existe um plano de governo há muitos anos. Sempre foi e será um projeto de manutenção do poder. E em cima disto, tudo será feito, inclusive reforçando os diagnósticos irresponsáveis sobre a economia brasileira. Diagnósticos estes já comprovados errados no passado, tanto no olhar para o Nacional Desenvolvimentismo dos anos 70 e 80, como no caótico primeiro mandato do governo Dilma (2011/2014).
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