A apresentação de denúncia contra o presidente Eduardo Cunha não gerou surpresa. Poucos acreditavam na sinceridade de seu discurso moralista. Mesmo assim, as acusações feitas por Janot são impressionantes.
A lista de delitos inclui corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Com lastro em depoimento decorrente de delação premiada e um vasto conjunto de documentos, o procurador-geral da República acusa o presidente da Câmara de ter recebido pelo menos US$ 5 milhões, de um esquema que movimentou cerca de US$ 40 milhões.
Caberá agora ao Supremo Tribunal Federal abrir prazo para a defesa prévia do deputado e, então, decidir se recebe ou não a denúncia. A chance de o Supremo não receber a denúncia é mínima, dada a robustez da acusação e a preocupação manifestada por vários de seus ministros com a degradação de nosso ambiente político.
Em face da gravidade e da extensão das acusações, muitos se perguntam se Eduardo Cunha poderia vir a ser detido, como ocorreu com muitos dos investigados e réus da operação Lava Jato, ou, ao menos, afastado do cargo.
Quanto à primeira questão, a Constituição é bastante clara. Deputados e senadores apenas podem ser presos em flagrante delito ou após trânsito em julgado de sentença condenatória. Assim, o deputado Eduardo Cunha não será preso, ao menos imediatamente.
[su_quote]A denúncia de Eduardo Cunha, sem sombra de dúvida, aumentou a temperatura da crise, bem como tornou mais imprevisível o seu desfecho[/su_quote]
A segunda questão é menos clara. A Constituição somente determina o afastamento imediato de um chefe de poder quando a denúncia recebida pelo Supremo for contra o presidente da República.
Nesse sentido, mesmo que se torne réu, por prática de crimes contra o patrimônio público, o deputado Eduardo Cunha poderá continuar presidindo a Câmara dos Deputados.
O deputado apenas poderá ser afastado do cargo em duas hipóteses. Na primeira delas, por decisão dos próprios membros da Câmara dos Deputados. Trata-se, portanto, de uma decisão política. Embora Eduardo Cunha exerça uma forte liderança na Casa e haja um grande número de parlamentares enroscados com a Justiça, o custo político de mantê-lo pode se tornar muito alto, especialmente para o PMDB, que pretende ser o beneficiário desta crise. Mais uma vez, no entanto, as ruas serão determinantes.
Uma segunda alternativa seria o próprio Supremo, por solicitação do procurador-geral da República, afastar o presidente da Câmara, por entender que o deputado estaria se utilizando do cargo para obstaculizar o devido desenvolvimento do processo judicial, constrangendo testemunhas ou buscando eliminar provas. O fato de Janot não ter feito essa solicitação na denúncia não significa que não poderá fazê-la num futuro próximo. Esse movimento, no entanto, dependerá de fatos muito contundentes, pois colocaria o Supremo numa rota de colisão com a Câmara.
A denúncia de Eduardo Cunha, sem sombra de dúvida, aumentou a temperatura da crise, bem como tornou mais imprevisível o seu desfecho. O que mais impressiona e importa destacar em toda essa história, me parece, é a consistência e a firmeza com que as instituições responsáveis pela aplicação da lei estão respondendo aos seus desafios. Estará o Brasil mudando a forma pela qual se relaciona com a lei? Se for isso, a refrega não terá sido vã.
Fonte: Folha de S. Paulo, 22/8/2015
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